A Revolução Estigmérgica

Por muito tempo se acreditou que a rainha desempenhava um papel central na complexa ordem social de uma colônia de formigas, através do exercício do comando direito e do controle sobre suas súditas. Não é assim. O biólogo Pierre-Paul Grassé cunhou o termo “estigmergia” para a organização social do formigueiro. Não há nenhuma coordenação central, nenhuma hierarquia, nenhum mecanismo administrativo. O comportamento de cada formiga é inteiramente espontâneo e autodirigido, conforme ela responde de forma independente aos marcadores químicos de trilha deixados por outras formigas.

Mark Elliot, cuja dissertação de doutorado é provavelmente o melhor estudo sobre o assunto até hoje, aplicou o termo “estigmergia” a qualquer forma de socialização humana na qual a coordenação é alcançada, não pela negociação, administração ou consenso sociais, mas inteiramente pela ação individual independente contra o pano de fundo de um meio social comum.

Essa é essencialmente a forma organizacional usada pela comunidade desenvolvedora do Linux, por movimentos de resistência em rede como a rede global de apoio aos zapatistas dos anos 90 e pelo movimento anti-globalização pós-Seattle. É a maneira como a Wikipédia e a Al-Qaeda são organizadas.

Eric Raymond, escrevendo sobre a comunidade de software open source, a chamou de o modelo “Bazar”. Sob o modelo Bazar, cada contribuição individual é modular. Todo participante é auto-selecionado e sua ação é baseada inteiramente em seu julgamento independente do que precisa ser feito. Assim, todas as ações não são o resultado de consenso ou do consentimento da maioria, mas do consentimento unânime de todas que participam. Aqueles com o nível mais alto de interesse em um aspecto particular de um problema e com a mais alta afinidade para encontrar uma solução funcional contribuem com essa parte do projeto.

Em movimentos em rede, qualquer contribuição ou inovação desse tipo em uma única célula só será adotada por aquelas que a acharem valiosa. Aquelas que são consideradas valiosas instantaneamente se tornam propriedade de toda a rede, livres para a adoção por todos. Assim, os indivíduos auto-selecionados mais interessados em resolver problemas estão espontaneamente desenvolvendo soluções inovadoras por toda a rede e aquelas soluções que funcionam imediatamente ficam disponíveis para adoção por cada célula decidindo apenas por si mesma.


Como Cory Doctorow aponta, as gravadoras desenvolveram seu DRM na crença errônea de que ele só tinha que ser forte o suficiente para parar o usuário médio e que o pequeno número de geeks capazes de quebrá-lo seria economicamente insignificante. Mas, na verdade, só é necessário um geek para quebrar o DRM e postar um MP3 em um site de download por torrent e ele fica livremente disponível para os usuários médios. Em uma organização estigmérgica, a inteligência de cada uma se torna propriedade de todos, virtualmente sem quaisquer custos de transação.

Em contraste com uma organização administrada hierarquicamente, em que as inovações propostas devem ser avaliadas e deliberadas – gestadas – por uma autoridade central ao longo de um período de muitos meses, uma rede estigmérgica atravessa mudanças geracionais na práxis com a velocidade de uma levedura replicante.

Isso é exatamente o que aconteceu com os movimentos sociais do último ano e meio – o arco desde a liberação de telegramas da Wikileaks no verão de 2010 até os últimos desenvolvimentos no Occupy Oakland. Chelsea Manning, uma heroica soldada moralmente estarrecida pelas atrocidades cometidas pelas forças dos EUA no Iraque, alegadamente tomou para si e liberou centenas de milhares de telegramas diplomáticos sigilosos para o Wikileaks. O Wikileaks decidiu postá-los na Internet.

Em face das tentativas de fechar o Wikileaks confiscando seu nome de domínio ou cortando vetores de financiamento como PayPal, o mecanismo de inovação estigmérgico entrou em alta velocidade. Milhares de sites de que espelhavam o conteúdo do Wikileaks apareceram.  Outros milhares websites e blogs postaram os endereços IP para os sites do Wikileaks. E hackers como Rick Falkvinge do The Pirate Bay imediatamente começaram a pensar um serviço aberto para registrar domínios, e sistemas digitais abertos de pagamento.

Os telegramas do Wikileaks incluíam avaliações diplomáticas privadas do nível de corrupção no governo tunisiano, que rapidamente circularam no Facebook entre a comunidade dissidente. Mohamed Bouazizi, um pobre vendedor de vegetais na Tunísia, ateou fogo a si mesmo em protesto após ser estapeado na cara por um oficial do governo, iniciando uma revolução que derrubou diversos governos árabes e, desde então, se espalhou de Londres e Amsterdã para a Espanha, para a Grécia e Israel, para a Madison e Wall Street – e daí novamente de Wall Street para centenas de cidades ao redor do mundo.

A tentativa do Egito de destruir a revolução desligando a Internet induziu projetos como a ContactCon a um novo sentido de urgência em desenvolver uma “NextNet”, um rede mesh aberta global que não possa ser desligada porque os únicos nós de roteamento são o próprio hardware das usuárias nas pontas.

O próprio movimento Occupy opera estigmergicamente, com inovações desenvolvidas por um nó se tornando parte do conjunto de ferramentas comum do movimento total. Alguns manifestantes em Oakland fizeram o primeiro experimento em ocupar um prédio comercial vazio e encorajar os sem-teto a ocupar construções vazias e condenadas em toda a cidade. Elas fizeram isso de uma maneira desajeitada e imprudente, infelizmente, provocando uma cruel repressão da polícia.

Mas a ideia básica permanece e alguém logo o fará melhor – porque esta é a maneira em que a estigmergia trabalha. Por toda a América, ainda existem prédios comerciais vazios e casas de propriedade de bancos e milhões de pessoas sem teto que precisam de um lugar para dormir. Não existe polícia e vice-xerifes suficientes no mundo para impedi-los de se mudarem, se eles colocarem em suas cabeças que podem se mudar.

Além disso, os sem-teto não têm nada a perder – se forem expulsos, eles estiveram abrigados pelo período que a ocupação durou. E cada despejo se torna outro ponto de falha para o sistema, a ser divulgado com vídeos de celulares e cobertura streaming na Internet. Cada casa se torna o local de outra posição defensiva, outro pesadelo de relações públicas para as “autoridades” locais arrastando famílias para fora de seus lares diante dos olhos do mundo. O movimento de Minneapolis já se interpôs em defesa da proprietária removida Monique White.

É apenas uma questão de tempo até que os movimentos Occupy locais se tornem centros de inovação, não apenas em táticas de protesto, mas em novas formas de organização social nas comunidades em que vivem. Em comunidades por todo o país, as pessoas perceberão que são vizinhas que vivem na mesma cidade ou município – não há qualquer razão pela sua cooperação tenha que estar limitada ao parque ou praça da cidade.

O Occupy se tornará não apenas um movimento de protesto, mas uma escola para a vida: Sistemas locais de moeda e escambo para a troca de habilidades por parte de pessoas desempregadas, técnicas informais e caseiras de pequena escala para trabalhadores desempregados que precisam prover tantas de suas necessidades quanto possível através do auto-provisionamento, técnicas horticulturais intensivas como a permacultura – as possibilidades são infinitas.

O Occupy Wall Street recentemente se tornou uma aula pública, com Michel Bauwens da Foundation for P2P Alternatives falando no Zuccoti Park sobre peer-production como um mecanismo para criação de valor e Juliet Schor discutindo ideais econômicos descentralistas e DIY em seu livroPlenitude. Uma personagem em Woman on the Edge of Time de Marge Piercy diz que o novo mundo, a revolução, não foi construído com slogans e grandes reuniões. Ele foi construído por pessoas que encontraram novas maneiras de se alimentarem, novas maneiras de ensinarem suas crianças, novas maneiras de se relacionaram umas com as outras.

Assim, em todo o mundo, estamos descobrindo maneiras de viver sem a terra e o capital das classes que pensam que são donas do planeta, maneiras de tornar sua terra e capital inúteis para elas sem ninguém para trabalharem-na para elas. E elas não podem nos parar, porque não temos nenhum líder.

Nas palavras de Neo, em “The Matrix”:

Eu sei que vocês estão com medo […] vocês tem medo de nós. Vocês tem medo da mudança. […] Eu não vim aqui para lhes dizer como isso vai acabar. Eu vim aqui lhes dizer como vai começar. […] Eu vou mostrar a essas pessoas o que você não quer que elas vejam. Eu vou mostrar a elas um mundo sem vocês. Um mundo sem regras e controles, sem fronteiras ou limites. Um mundo em que qualquer coisa é possível.

Ou mais sucintamente, como Anonymous coloca: Nos espere.

Tradução de Uriel Alexis. Revisão de Ivanildo Terceiro.
Texto original: https://c4ss.org/content/8914
Postado primeiro em: http://www.libertarianismo.org/index.php/artigos/revolucao-estigmergica/

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Autogestão horizontal: A única “regulação” de que precisamos

 

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Uma critica comum dos progressistas à chamada “economia compartilhada” — representada por empresas como o Uber, o Lyft e o Airbnb — é que se trata de um setor desregulado. Isso presume, evidentemente, que os sistemas de regulamentação, como os dos táxis, existem para “servir ao bem-estar público” e não simplesmente para garantir o lucro das companhias de táxis ao criminalizar a competição.

Dentro da verdadeira esquerda, encontramos críticas muito mais válidas a essas empresas. Por exemplo, a crítica ao fato de que essas entidades não fornecem serviços de compartilhamento real — ou seja, não são efetivamente “peer to peer”. Para esses esquerdistas (e eu sou um deles), empresas como o Uber são apenas tentativas de colocar um rótulo novo num produto velho — o velho corporativismo com o rótulo da economia de compartilhamento. O Uber, por exemplo, usa sistemas proprietários (sistemas em que todo o conteúdo da plataforma é controlado pela empresa proprietária) para enclausurar genuínos serviços P2P em paredes corporativas e extrair rendas de ambos motoristas e passageiros, reduzindo os motoristas a meros empregados.

De acordo com os críticos, a solução adequada é que a nova economia P2P se livre dos vestígios corporativos e se torne algo real. Precisamos de “plataformas cooperativas”: serviços de código aberto possuídos e controlados cooperativamente pelos usuários e pelos provedores do serviço. Isso pode ser atingido através da criação de aplicativos realmente open-source de compartilhamento de caronas, como alternativa ao trabalho para Uber e Lyft (por exemplo, o La’Zooz, um aplicativo de código aberto israelense, possuído por usuários e motoristas). Isso beneficiaria os passageiros, dar aos motoristas controle autônomo sobre seu próprio trabalho, e permitir que motoristas e passageiros interajam diretamente entre si como iguais além de destruir a renda obtida pelos falsos serviços de “compartilhamento de carona”. Ao invés de um dono corporativo se inserindo entre motoristas e passageiros para forçar acordos nos seus parópios termos, o sistema seria possuído e governado por alguma combinação entre motoristas e passageiros, nos seus próprios interesses.

Igualmente importante seria o surgimento de uma regulamentação real e libertária para esses serviços. A questão de quem vai regular é comum entre progressistas. Isso é infelizmente uma questão natural, dados os processos centenários apontados por Pyotr Kropotkin. Kropotkin descreve a supressão dos sistemas de gerenciamento auto-organizados e horizontais pelo moderno estado-nação, criando a crença popular de que “regulação” deve ser desempenhada por uma autoridade, que vigiaria o corpo social. No discurso comum, a pergunta “Quem regulará?” na verdade significa “Que autoridade superior às pessoas ordinárias avaliará os acontecimentos aqui em baixo e evitar que alguém faça algo exploratório ou fraudulento?”. Graças aos séculos de propaganda do estado e da classe a quem ele serve, estamos condicionados a identificar essa instituição como o representante oficial da sociedade e a enxergar legitimidade apenas nas autoridades estatais, como se fossem a única forma concebível de aplicar regras justas de condução das relações sociais.

Antes do surgimento do estado-nação, a vida social e econômica era organizada através de arranjos de governança horizontais, como guildas, instituições livres medievais, regulamentos costumeiros das vilas de campo aberto e o compartilhamento de reservas de recursos naturais pelos usuários que foram estudadas por Elinor Ostrom. Nesses contextos, a resposta óbvia a pergunta “quem vai regular?” ou “quem vai impedir a fraude?” era “nós!”.

E, enquanto o estado e as corporações passam a se esgotar, o retorno a esse modelo de regulação de autogovernança é o caminho natural. A própria questão “quem vai regular?” tem sentido somente se nos presumirmos que as entidades são reguladas por terceiros e não por nós mesmos. Trata-se de uma premissa perfeitamente razoável em uma economia dominada por capitalistas e não por trabalhadores e consumidores. Porém, conforme as ferramentas de produção em pequena escala ficam mais e mais baratas e possibilidades de organização em rede levam a uma economia na qual a produção e distribuição são controladas por trabalhadores e consumidores, começa novamente a ficar óbvio o pensamento que regulação é algo que cabe a nós.

No contexto dos últimos 500 ou 600 anos, em que pensamos em regulação em termos de “legislação imposta” por uma autoridade superior ou “panopticismo” (no qual somos todos visíveis para uma autoridade superior, mas não necessariamente para uns com os outros), nós respondemos com o conceito de holopticismo. Como Michael Bauwens, diretor da P2P Foundation, descreve em “The Political Economy of Peer Production” (CTheory.net, Dezembro 1, 2005):

A capacidade de cooperar é verificada no próprio processo de cooperação. Projetos P2P são caracterizados pelo holopticismo. Holopticismo é a capacidade implícita em processos P2P que permite que participantes tenham acesso livre a toda informação sobre os outros participantes, não em termos de privacidade, mas em termos da sua existência e contribuição (informação horizontal) e acesso a objetivos, métricas e documentação do projeto como um todo (a dimensão vertical). Isso pode ser contrastado com o panopticismo que caracteriza os projetos hierárquicos: processos desenhados para reservar “total” conhecimento apenas a uma elite, enquanto os participantes tem acesso apenas ao que se restringe as suas tarefas específicas. Entretanto, em projetos P2P, a comunicação não é de cima pra baixo e baseada em regras estritamente definidas, mas sim de forma sistêmica, integrada no protocolo do sistema cooperativo.

Ao invés do todo ser visível a um Leviathan desinteressado que vigia tudo de cima, o todo é visível pelos próprios participantes por natureza da sua participação. Em uma prisão — governada pelo panopticismo — o guarda é capaz de enxergar todos prisioneiros, mas os prisioneiros não veem uns os outros. Os prisioneiros não são capazes coordenar suas ações independentemente do guarda. Holopticismo é o exato oposto: os membros do grupo são visíveis entre si e podem coordenar suas próprias ações. A verdade silenciada é que a hierarquia existe em função do guarda e a associação holóptica existe existe em função dos seus membros (e, na presente discussão, o “capitalista”, o “empregador”, e o “estado” podem todos serem usados no lugar do guarda). As pessoas no topo da pirâmide hierárquica não confiam nas pessoas que realmente trabalham porque seus interesses são diametralmente opostos. É seguro para nós confiarmos uns nos outros, porque nossos interesses comuns podem ser inferidos a partir de nossa participação nas mesmas tarefas.

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Mobilidade, Meritocracia e outros mitos

No American Enterprise Institute, Mark Perry (“Yes, America’s middle class has been disappearing… into higher income groups,” Dec. 17) justifica o encolhimento da classe média e o crescimento da desigualdade econômica citando o recente estudo do Pew Institute que diz que o encolhimento de 11% da classe média norte-americana se dividiu em 7% para a classe mais alta e 4% parra a classe mais baixa.

Primeiramente, o movimento entre os estratos não torna legítima a estratificação se a estrutura por si é ilegitima. Meritocracia é um mito criado para distrair as pessoas da questão central: A justiça do sistema de poder ao qual o mérito se aplica. Como Chris Dillow, um economista marxista heterodoxo britânico observou em “Beyond social mobility,” Stumbling and Mumbling (Dec. 19):

“Imagine um ditador que estava aprisionando as pessoas em campos de concentração, mas ofereceu o cargo de guarda aos que passassem em exames e pagaria melhor aqueles que passassem com louvores. Nesse sistema, haveria mobilidade social – até mesmo meritocracia e igualdade de oportunidades. Mas não teríamos liberdade, justiça ou uma boa sociedade. Para isso, precisaríamos primeiro acabar com os aprisionamentos”

Veja também que o que é chamado de “classe mais alta”, no estudo, inclui não somente a classe rentista e super-rica, e as pessoas nas suítes presidenciais com salários milionários, mas também a maior parte do estrato gerencial, ou seja, aqueles que ocupam alguma posição na gestão corporativa ou governamental. E há uma boa razão para esse estrato ter crescido de 14% para 21% da população geral. Como David Gordon argumentou em  Fat and Mean, foi a decisão neoliberal nos anos 70 de por um teto nos salários por hora reais e voltar a maior parte da renda para os rentistas e para os CEO’s “cowboy” que resultou no aumento do autoritarismo interno nas corporações e a necessidade do aumento no grupo de superintendentes pra monitorar a (compreensivelmente) descontente força de trabalho.

E não obstante ao crescimento da renda nas classes gerenciais, a maior parte deles ainda são trabalhadores assalariados, que tem sua renda dependente da aprovação dos seus superiores. Esses 14-21% da população são mais ou menos o que Orwell, em 1984, chamou de estrato intermediário (representado na obra pelo Partido Interno, aos quais Winston e Julia pertenciam). Orwell descreve a mesma classe na Inglaterra corporativa de seus dias em outra obra, Coming Up for Air:
“Em cada uma daquelas pequenas caixas há algum pobre bastardo que nunca está livre, exceto quando vai dormir…”

Voltando ao tema da legitimidade, é relevante notar que o fato de que muitas das funções exercidas por essa classe gerencial são ilegitimas, dependendo a sua existência do sistema exploratório e classista atual. Eles existem apenas por causa do estado, em união com o capital corporativo, que carteliza a economia sob o controle de uma elite burocrática hierárquica que opera muito longe das curvas econômicas de um mercado justo, o que gera um aumento nos aspectos autoritários da estrutura e leva à conflitos de interesse entre as classes, que acaba justificando o aumento na vigilância e controle das massas.

Como Joe Bageant habilmente descreve a natureza do trabalho dessas pessoas:

“O império precisa […] de mais ou menos 20-25% da sua população […] para as areas administrativas e para permitir que o proprio império se perpetue, através de advogados, gerentes de seguros, administradores financeiros, professores, gerentes de midia, cientistas, burocratass, gerentes de todos os tipos de profissões e semi-profissões”.

Quando os trabalhadores possuem a empresa e gerenciam seu próprio trabalho, como nos empreendimentos recuperados da Argentina, os trabalhadores não somente usam seu conhecimento prático superior sobre o processo de trabalho como também o relativamente baixo custo gerencial que ainda se faz necessário é uma pequena fração do custo nas empresas corporativas. Na realidade, eliminar todos esses salários gerenciais resolve o problema de custos unitários de uma vez só.

As classes altas crescem em tamanho e renda por causa de todo o valor criado pelos reais trabalhadores produtivos nas classes baixas que é extraído pelos que estão no topo. Quando essas classes altas roubam de todo o resto, eles precisam de muito mais guardas no topo para assegurar que o status quo se mantenha.

E se há ou não um aumento real de renda no estrato mais “baixo”, a perda no controle da sua força de trabalho e a precarização para os trabalhadores é ainda pior do que para a classe média gerencial. O quem ambos, produtores e gestores tem em comum é a inépcia diante o sistema.

Não precisamos de meritocracia. Precisamos de Justiça.

Autor: Kevin Carson

Texto Original https://c4ss.org/content/42422

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Hegemonia Ideológica capitalista por Kevin Carson

O texto abaixo é um trecho da excelente obra de Kevin Carson e diz muito sobre a mentalidade retrógrada dos “conservadores” no Brasil atualmente.


Hegemonia ideológica

Hegemonia ideológica é o processo pelo qual os explorados passam a ver o mundo de acordo com as estruturas conceituais fornecidas pelos exploradores. Ela age para esconder os conflitos de classe e a exploração por trás de uma cortina de fumaça, que pode se chamar “unidade nacional” ou “bem estar geral”. Aqueles que apontam para o papel do estado como protetor dos privilégios de classe são denunciados, em tons teatrais de ultraje moral, como os que de fato estariam estimulando as “lutas de classe”. Se alguém for tão “extremista” a ponto de descrever o intervencionismo e os subsídios que sustentam o capitalismo corporativo, essa pessoa provavelmente será rechaçada por empregar uma “retórica de luta de classes marxista” (como disse Bob Novak) ou uma “retórica dos barões ladrões” (como afirmou o Secretário do Tesouro dos EUA Paul O’Neill).

A estrutura ideológica da “unidade nacional” é levada ao extremo de elevar “este país”, “esta sociedade” ou “nosso sistema de governo” a objetos de gratidão pelas “liberdades de que desfrutamos”. Apenas os menos patriotas percebem que nossas liberdades, longe de terem sido concedidas a nós por generosos e benevolentes governantes, foram ganhas através da resistência ao estado. Cartas e declarações de direitos não são concessões do estado, mas são documentos que foram forçados ao estado de baixo para cima.

Se nossas liberdades nos pertencem por direito de nascença, como fatos morais da natureza, segue-se que não temos que ter qualquer dívida de gratidão para com o estado por não violá-las, da mesma forma que não agradecemos a outros indivíduos por não nos roubarem ou matarem. Essa lógica simples implica que, em vez de sermos gratos por viver no “país mais livre do mundo”, os Estados Unidos, devemos nos revoltar a cada vez que ele invadir nossas liberdades. Afinal, foi assim que conseguimos nossos direitos. Quando outro indivíduo coloca sua mão em nosso bolso para enriquecer às nossas custas, nosso instinto natural é o de resistência. Porém, graças ao patriotismo, a classe dominante é capaz de transformar sua mão em nosso bolso na “sociedade” ou em “nosso país”.

A religião da unidade nacional é mais patológica quando se trata de “defesa” e da política externa. A fabricação de crises no exterior e da histeria em prol de guerras são ferramentas usadas desde o começo da história para suprimir ameaças ao domínio de classe. Políticos vigaristas podem trabalhar para “interesses escusos” em casa, mas quando esses mesmos políticos se envolvem em guerras, a questão passa a ser de lealdade “ao país”.

O chefe das Forças Armadas dos Estados Unidos, ao discutir a postura de “defesa”, faz alusões em tom muito sério às “ameaças à segurança nacional” enfrentadas pelos EUA e descreve os exércitos de inimigos oficiais como a China como muito mais poderosos do que exigiriam os “requisitos de defesa legítimos”. A maneira mais fácil de entrar no território do inaceitável é afirmando que todas essas “ameaças” são de fato as ações de país 150 quilômetros adentro de suas fronteiras. Outra ofensa imperdoável contra a celebração da pátria é julgar as ações dos Estados Unidos — em suas operações globais para tornar o Terceiro Mundo seguro para a atuação da ITT Corporation e da United Fruit Company — pelos mesmos padrões dos “requisitos de defesa legítimos” aplicados à China.

De acordo com a ideologia oficial, as guerras americanas são, por definição, sempre combatidas “por nossas liberdades”, “para defender nosso país” ou, no mundo de bajulação de Madeleine Albright, para promover “paz e liberdade” no mundo. A mera sugestão de que os defensores de nossas liberdades pegaram em armas contra o governo ou de que o estado de segurança nacional é uma ameaça maior a nossas liberdades que qualquer inimigo estrangeiro com que já nos deparamos é imperdoável. Acima de tudo, bons americanos não notam a existência de todos os conselheiros militares, que ensinam os esquadrões da morte a torturar sindicalistas e os jogar em valas ou como utilizar adequadamente alicates nos testículos de dissidentes. Crimes de guerra só são cometidos por potências derrotadas (porém, como os nazistas descobriram em 1945, criminosos de guerra desempregados geralmente conseguem encontrar trabalho dentro das novas potências hegemônicas).

Depois de um século e meio de doutrinação patriótica pelo sistema estatal de educação, os americanos já assimilaram completamente a versão rósea da história americana que é contada. Seu autoritarismo é tão diametralmente oposto às crenças daqueles que pegaram em armas durante a Revolução Americana que os cidadãos já se esqueceram do que significa ser um americano. Na verdade, os autênticos princípios do americanismo foram completamente esvaziados. Duzentos anos atrás, exércitos permanentes eram temidos e considerados ameaças à liberdade, além de serem terrenos férteis para o surgimento de personalidades autoritárias; o serviço militar obrigatório era associado à tirania de Oliver Cromwell; o trabalho assalariado era considerado incoerente com o espírito independente de um cidadão livre. Hoje, duzentos anos depois, os americanos foram tão prussianizados pelos sessenta anos de militarismo e pelas “guerras” contra um ou outro inimigo interno que foram condicionados a se curvar ao verem um uniforme. Aqueles que fogem do alistamento militar são vistos como molestadores de crianças. A maior parte das pessoas trabalha para alguma corporação centralizada ou para uma burocracia estatal, onde se espera que obedeçam ordens de superiores, trabalhem sob constante vigilância e até urinem num copinho conforme exigido.


Em época de guerra, é antipatriótico criticar ou questionar o governo e dissidências são vistas como deslealdade. Fé absoluta e obediência à autoridade é o mínimo que se espera daqueles que se dizem “americanos”. As guerras no exterior são ferramentas extremamente úteis para manipular o imaginário nacional e manter a população sob controle. As guerras são a maneira mais fácil de transferir poder para o estado. A maior parte das pessoas se torna acriticamente obediente no exato momento em que precisam estar mais vigilantes.

A maior ironia de todas é que, em um país fundado por uma revolução, o “americanismo” é identificado como o respeito à autoridade e a resistência à “subversão”. A Revolução foi, de fato, uma revolução, em que as instituições políticas domésticas foram forçosamente derrubadas. Foi, em vários locais e momentos, uma guerra civil entre classes. Como Voltairine de Cleyre escreveu um século atrás emAnarchism and American Traditions, a versão dos livros de história é um conflito patriótico entre nossos “pais fundadores” e o inimigo estrangeiro. Aqueles que ainda são capazes de citar Thomas Jefferson ao falar sobre o direito à revolução são relegados à ala “extremista”, que deve ser descartada no próximo surto de histeria militarista ou na próxima ameaça vermelha. Esse construto ideológico de um “interesse nacional” unificado inclui a ficção de que existe um conjunto “neutro” de leis, algo que esconde a natureza exploratória do sistema de poder sob o qual vivemos. Sob o capitalismo corporativo, os relacionamentos de exploração são mediados pelo sistema político numa medida categoricamente diferente daquela que vigente sob sistemas de classe anteriores. Sob a escravidão e o feudalismo, a exploração era concreta e materializada na relação do produtor com seu senhor. O escravo e o camponês sabiam exatamente quem os explorava. O trabalhador moderno, porém, sente apenas a dor dos golpes que sofre, mas não sabe de onde vêm.

Além de sua função de mascarar os interesses da classe dominante por trás de uma fachada de “bem estar social”, a hegemonia ideológica também fabrica divisões entre os dominados. Através de campanhas contra “vagabundos” e para “endurecer o combate ao crime”, a classe dominante é capaz de canalizar uma hostilidade das classes média e trabalhadora contra os mais pobres.

É particularmente nauseante o fenômeno do “populismo bilionário”. A defesa de “reformas” das leis de falência e de programas assistenciais, além de guerras contra o crime, ganham uma retórica pseudopopulista que identifica as classes baixas como os parasitas que se beneficiam do trabalho dos produtores. Em seu universo simbólico, seria possível pensar que os Estados Unidos são aquele mundo retratado pela revista Reader’s Digest e por Norman Rockwell, onde não há nada além de pequenos empresários e fazendeiros de um lado e vagabundos, sindicalistas e burocratas de outro. Ao escutarmos essa retórica, é difícil imaginar que existam multibilionários ou corporações globais, ou mesmo que elas se beneficiem desse discurso “populista”.

No mundo real, as corporações são os maiores clientes do estado de bem estar, as maiores falências são falências corporativas e os piores crimes são cometidos em suítes corporativas e não nas ruas. O real roubo dos produtores médios consiste de lucros e usura, extorquidos apenas com a ajuda do estado — o real “estado máximo” que carregamos em nossas costas. Enquanto os trabalhadores e as classes inferiores lutam entre si, não percebem quem realmente os espolia.

Como afirmou Stephen Biko, “a arma mais forte dos opressores é a mente dos oprimidos”.

Íntegra

Texto de Kevin Carson

Tradução de Eric Vasconcelos

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Considerações sobre o conceito de Anarquia

JYcaUad

Anarquia significa ausência de leis (lawlessness). Ela não significa revolta ou caos. O governo, as escolas e a mídia corporativista tem te ensinado a acreditar que Anarquia significa desordem porque eles precisam que você acredite que ordem e paz só existe aonde eles são impostos por leis governamentais e aplicadas por uma polícia governamental. A pequena elite que controla o governo e a mídia corporativista precisa que você acredite que ordem social requer controle social. Afinal, eles pretendem exercer esse controle. Eles esperam que você entregue a sua vida a autoridade deles. Em troca eles te prometem paz, proteção, segurança, e ordem. No entanto o que entregam é medo, guerra e brutalidade policial. A “ordem” deles significa receber ordens. A “proteção” deles significa prisão.

Na Anarquia existe uma outra maneira. Ao invés de uma ordem coercitiva imposta pelo governo, nós acreditamos em um ordem consensual. Ao invés da “proteção” dos policiais estatais, nós optamos por defesa individual e comunitária. Ao invés de “alívio” vindo de indiferentes e burocráticos programas de assistência social, nós optamos por sindicatos combativos, solidariedade entre os trabalhadores e ajuda mútua cooperativa e comunitária. Ao invés de ordem imposta pela obediencia a leis governamentais, nós procuramos por contratos voluntarios e acordos entre pessoas livres negociando como iguais.

Nós nos opomos a todas as proibições governamentais, impostos governamentais, fronteiras governamentais, polícia governamental, guerras governamentais, porque nós somos pela paz, liberdade e harmonia social. E isso só pode existir entre pessoas que chegam a acordos como iguais, não entre pessoas que são obrigadas a obedecer por medo. É a lei governamental que produz a violência, a revolta e a desordem. Somente na Anarquia pode haver ordem real, paz real, liberdade individual e harmonia social.
Texto Original: http://radgeek.com/gt/2008/08/25/what-is-anarchy/

Autor: Charles Johnson

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Na Reason, “Guerra é Paz”… E TPP é “Livre Comércio”

Você sabia que o “principal legado” do presidente Obama é livre comércio – e a “menina dos olhos” dessa política de “livre comércio” é a Trans-Pacific Partnership (Parceria Trans-Pacífica)? Nem eu. Mas é o que Shikha Dalmia diz no periódico libertario de direita Reason

(“Why Is Hillary Throwing Obama’s Core Legacy on Free Trade Under the Bus?” 15 de Outubro). Dalmia explicitamente se refere ao TPP como um “acordo de livre comércio entre a América e os países da falha do Pacífico”. Isso deve dar uma amostra do que esses libertários da Reason querem dizer com “livre comércio”.

Como o pretendi dizer com o título, comparar o TPP com “livre comércio” é o tipo de mentira orwelliana que deveria estar nos slogans da Ingsoc, junto com “Guerra é Paz”, “Liberdade é Escravidão” e “Ignorância é Força”.Nem TPP, nem nenhum “tratado de livre comercio” se trata de verdadeiro livre comércio.

E que fique claro: Não estou fazendo a crítica comum, dizendo que esses “acordos de livre comércio” como o TPP não são um passo grande o suficiente em direção à um sistema de real livre comércio. O que quero dizer aqui é que esses acordos são INIMIGOS DIRETOS do livre comércio. Deles surge uma rede de aumentos no protecionismo. As reduções nos impostos e outras barreiras à movimentação de bens entre as nações é apenas secundária, quando não é apenas acidental. O propósito real deles é aumentar drasticamente a forma de protecionismo mais importante ao modelo de negócios corporativo atual: A “propriedade” intelectual. As políticas draconianas de PI dos tratados de “livre comércio” contemporâneos servem aos interesses das corporações globais da mesma forma que as altas tarifas industriais serviram às corporações norte-americanas a um século atrás.

Em outro texto escrito por ela no mesmo dia (“The bogus assumptions of Hillary Clinton’s free-trade switcheroo – A estranha mudança de atitude de Hillary Clinton em direção ao livre comércio,” The Week), Dalmia diz que acordos de “livre comércio” como NAFTA e o TPP, vão “prevenir o trabalhismo de levar a classe média para o buraco”. É isso mesmo – acordos de “livre comércio” são a ferramenta para controlar aquela figura demonizada pela direita: Os malignos sindicatos (eu nunca deixo de me divertir quando alguém culpa os sindicatos pela desindustrialização, quando os pagamentos a CEO’s passam de 40 a 400 vezes a média do pagamento do trabalhador comum na última geração).

Esses tratados, ao facilitar a realocação dos meios de produção através das fronteiras, permitem que corporações contratem mão de obra barata para suas “fábricas de suor” (ambientes de trabalho insalubres) em países com salários baixos (mão de obra desvalorizada), aonde se paga ao trabalhador $2,00 por um par de tênis que será vendido por $200,00 no Wallmart. E graças as patentes e marcas registradas que garantem o monopólio na venda do produto, eles estão protegidos contra produtores independentes que poderiam produzir produtos idênticos e vender a $10 no mercado local.

No início do século XX, quando a maior parte do capital industrial era nacional, países ocidentais importavam principalmente matérias-primas do mundo colonizado e exportavam produtos industrializados. Logo, era do interesse das manufaturas norte-americanas proteger-se de competição no mercado doméstico de bens industrializados em outros países. 100 anos depois entretanto, a maior parte das importações são de multinacionais ocidentais, importando bens produzidos sob contrato para elas, de modo que elas podem vender no mercado doméstico com uma enorme margem sobre o custo de produção, graças à “propriedade” intelectual.

E já que as importações internacionais se tornou majoritariamente um assunto interno das multinacionais, tarifas que impeçam esse movimento de bens se tornaram uma inconveniência. O que elas precisam, na verdade,  é uma forma de protecionismo que ainda as garanta monopólio sobre a venda de um produto específico em um mercado específico, mas que opere nas fronteiras entre corporações, e não entre nações. É isso que a “propriedade” intelectual causa.

Alem das corporações de manufatura discutidas aqui, as industrias mais lucrativas na economia global tem modelos de negócios baseados em direitos de patentes intelectuais: Entretenimento, software, eletrônicos, biotecnologia, etc.

Logo, o que é falsamente chamado “livre comércio” não é diminuição do protecionismo. É uma troca de um tipo de regulação que não serve mais às corporações para um novo tipo que melhor as atende.

A principal função do estado é subsidiar as grandes corporações e protegê-las da competição. Esse tipo de intervenção é a principal fonte de lucro dessas empresas. Então, sempre que você ver o alarde ao redor  de notícias que levem na manchete “livre comércio”, “desregulação” ou “privatização” – e essas medidas tiverem o apoio das grandes empresas -, você já sabe do que se trata. Qualquer um que realmente acredite que o estado ou o interesse corporativo a quem ele serve, iria pressionar tanto em favor a um acordo como o TPP se ele realmente reduzisse a intervenção na economia, provavelmente também acredita em papai noel.

Texto original: https://c4ss.org/content/41012

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Burocracia e Autogestão – A Proposta de Proudhon

Proudhon é, com justa razão, considerado o pai da autogestão e o inspirador das experiências históricas de criação de um regime autogestionário. A obra de Proudhon é extremamente ampla e difusa mas é una em seu conteúdo e revela-se, ao observador, como uma tentativa de estabelecimento dos fundamentos do uma sociedade autogestionária. Ao criticar a apropriação que ocorre em vários níveis e, portando, a alienação capitalista estatal ou mística, Proudhon revela-se um crítico da burocracia e todas as suas construções teóricas visam estabelecer, sem qualquer autoridade superior e autonomia da sociedade entendida com poder latente e possibilidade real que a sociedade possui de governar e organizar a si mesma. Proudhon nunca empregou o termo autogestão, que é um termo recente; todavia, ele empregou o seu conteúdo, não restringindo o sentido de uma sociedade autônoma á simples administração de uma empresa pelo seu pessoal. Ele deu, pela primeira vez, á sua concepção, o significado de um conjunto social de grupos autônomos associados tanto nas funções econômicas de produção quanto nas funções políticas, A sociedade autogestionária, em Proudhon, é a sociedade organicamente autônoma, constituída de um feixe de autonomias de grupos se auto-administrando, cuja vida exige a coordenação, mas não a hierarquização. A autogestão, em Proudhon, está profundamente relacionada com a preocupação de criar uma ciência social e um socialismo científico. Em “Systéme de Contradictions Economiques”, Proudhon coloca: “O problema do proletariado é a constituição de uma ciência social”. Assim, não será de um socialismo utópico ou da aplicação de um sistema saído do cérebro de um revolucionário inspirado, que sairão os objetivos fundamentais do socialismo, isto é, a emancipação do proletariado será a própria sociedade que, progressivamente, descobrirá a aplicará uma ciência social. Essa sociedade composta de grupos e indivíduos autônomos, cuja existência de força própria se manifesta no trabalho, é quem produz a razão e a experiência social. A constituição de ciência social será feita pela sociedade trabalhadora, que compreende a sociedade real, que se apresenta, no momento, alienada pela sociedade de oficial, isto é, apresenta-se com sua potência usurpada pelos aparelhos estatais e capitalistas. A constituição de ciência social será feita depois que a sociedade real houver produzido a razão e a experiência social. A ciência social não é nada mais do que a descrição, pela própria sociedade, de suas próprias leis da razão social, na medida em que a experiência social as descobre, sob o efeito do trabalho social que continuamente as revela. Ciência social e socialismo científico aparecem em Proudhon, portanto, como descoberta a aplicação, pela sociedade real, das leis inerentes ao seu desenvolvimento. É a sociedade que produz as leis e os materiais de sua experiência. A força produtiva dessa sociedade, o trabalho social, é descoberto inicialmente no desenvolvimento do processo, isto é, na prática da sociedade é descoberta a experiência social e, no seu faina, pela reflexão ativa da sociedade, é descoberta a razão social. Para Proudhon, portanto, ”a ciência social é o acordo da prática social”.

Todas as utopias, todos os fracassos são, para Proudhon, o efeito da separação entre razão e prática social. As construções teóricas e as críticas, portanto, devem visar o restabelecimento desse acordo. Um aristocratismo científico, ou seja, um governo de sábios ou de pretensos sábios, caracterizado pela ilusão, de um homem ou de uma classe, de ter o monopólio de ciência e da razão social, e uma demagogia ideológica ou um governo de massas, caracterizando pela ilusão de que o povo, ator da prática social, possa, por procedimentos elementares a anticientíficos, exprimir, adequadamente, a lei que lhe é inerente, aparecem como dois erros antônimos que levam às convulsões históricas. Proudhon critica claramente esse duplo erro “La Création de L’ Odre das L’humanité”. “Qualquer um quer exorto o sufrágio universal como o princípio único de ordem e certeza é mentiroso e charlatão; ele engana o povo; a soberania sem a ciência é cega. Qualquer um que admita a realidade de uma ciência social e rejeite como inútil e reforma política é mentiroso e charlatão: a ciência sem a sanção do povo é impotente. A ciência de alguns, que comandam a vontade de maioria, compromete a igualdade. A soberania popular, negligenciando a ciência, é injuriosa; é um ataque á liberdade. O socialismo científico, considerado como aplicação de uma ciência social progressivamente descoberta a colocada em prática, deve estabelecer um processo democrático e colocada em prática, deve estabelecer um processo democrático que permitirá a expressão de leis sociais, cuja existência é forçosamente anterior e este processo, já que as leis sociais nascem do trabalho e do próprio desenvolvimento da sociedade produtiva. A ordem real e a organização de um socialismo científico resultam da tomada de consciência de sociedade de suas próprias leis.”

O ser coletivo, que deve erigir progressivamente um socialismo autogestionário, não é, portanto, outra coisa que a sociedade trabalhadora. As verdadeiras leis sociais não resultam do arbítrio de uma vontade particular ou de uma vontade geral, que seria a soma das vontades particulares. Elas existem, antes de qualquer convenção. do trabalho que cria a sociedade e integra o homem. Em suma, elas constituem o corolário das leis funcionais que regem esse trabalho: a divisão de trabalho e comunidade. “De acordo com a nova ciência, o homem, que ele queria ou não, faz parte de sociedade que, anteriormente a toda convenção, existe pelo fato de divisão de trabalho e pela unidade da ação coletiva”. Tratando-se das leis que dizem respeito á produção ou á administração da sociedade trabalhadora, essas leis “resultam desse duplo fato que é independente da vontade… do homem”. A obediência a essas leis é, para Proudhon, uma obediência liberadora, tanto para as pessoas individuais como coletivas, uma vez que o reconhecimento de um lei pelos trabalhadores é o reconhecimento do algo que ele suscitou anteriormente. Na sociedade autogestionária, onde haverá coincidência entre a lei jurídica oficial e a lei social real, essa lei tornar-se-á efetivamente a expressão formulada pela representação nacional das relações, que nascem entre os homens, do trabalho e da troca, e tanto a sociedade oficial quanto a sociedade real serão o organismo fundado sobre o conhecimento dessa lei. Mas, uma vez que as prescrições do código serão letra morta, quando elas estiverem em oposição aos fatos e ás leis sociais, Proudhon propõe a organização completa de um sufrágio universal da base socioeconômica, envolvendo empresas, grupos de empresas, etc., e sócio-políticas, envolvendo municípios, regiões, grupos naturais, etc., e a elaboração de leis e contratos mutualistas que resultem de uma séria de convenções coletivas flexíveis e móveis. “O governo das sociedades é ciência… e não arte, isto é, arbitrariedade. Todo sociedade decai quando passa aos ideólogos, perdendo e inteligência, a espontaneidade e a vida, tão necessárias á sociedade quanto ao homem”.

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O que há de errado com a desigualdade?

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Se você acredita nos arautos da direita, você pode acreditar também que desigualdade é apenas um produto da inveja e da ignorância econômica. De fato, se alguém tem mais riqueza que eu não me deixa em piores condições. E economia não é um bolo único, aonde você pega o pedaço maior as custas de eu ficar com um bolo menor. Economia é crescente, dinâmica e com um grande potencial de melhorar as condições de todos.

No entanto negar esses argumentos ruins contra a desigualdade não faz com que os arautos da direita estejam certos. Os problemas reais com a desigualdade estão ligados diretamente a sua fonte e as suas consequências.

Muita riqueza deriva da injustiça. Nos primeiros anos dos Estados Unidos, a coroa Inglesa e mais tarde o governo revolucionário se apropriou de terras desocupadas, negando as pessoas o justo direito a ocupação, ou roubou terras aonde viviam os nativos ameríndios, e as dividiram entre políticos e capitalistas. Legisladores tomaram ainda mais terra sob decreto para a construção de estradas de ferro, arbitrariamente se apropriando das terras adjacentes a essas estradas, que mais tarde viriam a ganhar um grande valor comercial, e as entregaram aos corporativistas. Atualmente, as cidades tomam terra através do princípio de domínio eminente – um resquício da monarquia, aonde tudo pertencia, em última instancia, ao rei – e as transferem a preço de banana para capitalistas (como Donald Trump).

[N.T.] A história do Brasil também é recheada dessas intervenções governamentais em favor dos seus nobres e comerciantes favoritos. As capitanias hereditárias e a escravização e exploração da população originária são grandes exemplos disso.

Já é bem ruim quando desigualdade vem de roubo. Privilégios tornam o problema ainda pior.

Em uma economia sem qualquer tipo de privilégio – uma economia libertária – você obteria sucesso servindo às pessoas, fornecendo a elas o que elas precisam. Defensores do status quo geralmente apelam ao fato de que os bem sucedidos na economia de mercado atual se apoiaram justamente nesses princípios para conquistarem a sua fortuna. Inclusive aqueles que se serviram de bens roubados são elevados à categoria de “servidores do povo”: se não o fossem, perderiam seu império aos competidores.

No entanto, a economia é hoje cravejada de privilégios. Barreiras comerciais, subsídios e financiamentos públicos de corporações com boas conexões políticas – tudo isso as custas do consumidor à quem os capitalistas alegam servir. Licenciamento de profissões ajudam a manter verdadeiros cartéis, possibilitando assim que os membros possam cobrar muito mais pelos seus serviços do que poderiam cobrar sem essas regulações – especialmente no caso de serviços vitais como tratamento médico. Propriedade intelectual, criada e mantida pelos governos, concede à uns poucos o direito de dizer aos outros o que podem fazer com as suas posses reais, físicas, enquanto concentra riqueza e meios de produção em umas poucas mãos e restringe o acesso à informação. Licitações públicas são verdadeiros enxames de lucros estratosféricos sem explicação. Grandes bancos e corporações, como a General Motors, são constantemente protegidas de suas “decisões ruins de negócios” com dinheiro público.

E vai muito além disso: Privilégios empobrecem as pessoas. Os códigos de construção que direcionam negócios para as grandes construtoras, capazes de trabalhar dentro das brechas legais e cumprir com toda a burocracia necessária, por exemplo, muitas vezes impedindo até mesmo que as pessoas construam suas próprias casas. O resultado é que muitos são obrigados a alugar a moradias em condomínios de grandes empresas ou até mesmo, em casos extremos, obrigados a viver sem teto. As mesmas regras de uso de terras que protegem o valor atual das terras dos proprietários, também impede outras pessoas de encontrar moradia em condições melhores. As mesmas regras de licenciamento profissional que cartelizam a economia, impedem serviços melhores e mais baratos aos que necessitam deles.

O problema da desigualdade no mundo real não são as diferenças numéricas em ganhos e perdas em partes de um mesmo bolo fixo de riquezas. No mundo real, os problemas que deixas incomodam todos aqueles preocupados com a injustiça social – seja na direita ou na esquerda – estão baseados em roubo, privilégio e no capitalismo corporativo.

Devemos atacar esses problemas e vencer a pobreza estrutural que aflige a sociedade como um todo, sem precisarmos recorrer a falácias econômicas ou políticas de inveja. A solução é retificar os roubos do passado sempre que possível – tomando os ganhos injustos dos beneficiários desse roubo. Devemos acabar com os privilégios que empobrecem a tantos enquanto concentram riquezas nas mãos de uns poucos. E devemos acabar com o poder do governo de criar e legitimar esses privilégios, financiados por capitalistas para manter a desigualdade injusta.

Remediar a violência, acabar com o privilégio e com a habilidade do governo de desequilibrar a sociedade e a economia trará um fim ao real problema da desigualdade

Texto de Gary Chartier postado em C4SS

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Não é por R$ 0,30 – Considerações acerca do Passe Livre

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Desde as jornadas de junho de 2013, o conceito “passe livre” se tornou conhecido no país inteiro. A ideia de um transporte coletivo financiado coletivamente se espalhou pelo país e incendiou o espirito de revolta pais a fora. E no seio das manifestações populares, ele serviu de estopim à diversas reivindicações sociais relevantes a época, como os grandes investimentos na Copa do Mundo, e pautas mais genéricas como a qualidade da saúde e da educação, no entanto, o transporte coletivo nunca deixou de ser um tema central. A luta pelo passe livre não é, nas suas raizes, uma súplica por soluções estatais para problemas sociais, mas sim uma denúncia. Uma denúncia ao corporativismo, uma denúncia da hipocrisia do Estado e uma denúncia da sua verdadeira face, materializada na violência policial generalizada.

Hipocrisia e corporativismo, ambos manifestados na proibição legal do surgimento de novos serviços de transporte coletivo no sistema, que poderiam sanar demandas locais e oferecer alternativas descentralizadas ao sistema governamental, que não só acabariam aumentando o próprio uso de sistemas de transporte de massa, que tem impactos ambientais menores, mas também melhorando a qualidade de vida das pessoas dependentes de transporte público que acabam sendo mal atendidas pelo sistema Estatal, caro e precário.

E são essas pessoas, que tem uma parcela considerável da sua renda mensal utilizada para o setor de transportes públicos, as maiores afetadas pelo aumento do valor da tarifa, impedidos economicamente de utilizar o transporte que já custearam através de dinheiro de impostos utilizado como subsídio às corporações de transporte.

O valor elevado das tarifas e o péssimo serviço, cartelizado ou monopolizado, criou um sistema de contradições na sociedade que se desenvolveu durante anos, antagonizando o povo financiador e dependente do transporte para se locomover nas cidades e os empresários famintos por mais e mais lucros garantidos pela ação de agentes políticos em seu favor.

Em 2013, essas contradições atingiram ponto crítico. Ao mesmo tempo que o setor batia recordes de ganhos, maiores ainda ficavam os repasses de verbas públicas para compensar um suposto “déficit” no setor. Mesmo com um crescimento nos lucros de 2056% (!), segundo O Globo em uma reportagem em agosto daquele ano, o setor ainda recebia altas somas em  subsídios do setor público, que fazia repasses mensais de dinheiro público, que chegavam a R$ 1,25 bilhão apenas na cidade de São Paulo. Continue reading

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