O Cavalo de Ruuskanen

Ao chegar o terceiro inverno da crise do mundo
Os camponeses de Nivala derrubaram árvores como de costume
E como de costume os cavalos pequenos arrastaram os troncos de madeira
Até os rios, mas este ano
Receberam apenas cinco marcos finlandeses por um tronco, o preço portanto
De um pedaço de sabão. E ao chegar a quarta primavera da crise
Foram leiloadas as propriedades dos que não haviam pago os impostos no outono.
E os que haviam pago não puderam comprar rações para seus cavalos
Indispensáveis no trabalho da floresta e do campo
De modo que as costelas dos cavalos apontavam no
Pêlo sem lustre, e então o magistrado de Nivala
Foi ao camponês Ruuskanen, em seu campo, e falou
Com autoridade: “Você não sabe que existe uma lei que
Proíbe a judiação de animais? Olhe seu cavalo. As costelas
Estão à mostra. Este cavalo está doente
E deve ser morto”. E foi embora. Mas três dias depois
Ao voltar, ele viu Ruuskanen novamente
Com seu cavalo esquálido no campo minúsculo, como se
Nada tivesse acontecido e não houvesse lei nem magistrado.
Aborrecido
Enviou dois guardas com ordens estritas
De tomar o cavalo a Ruuskanen e levar
O animal maltratado imediatamente ao matadouro.
Mas os guardas, puxando o cavalo de Ruuskanen
Através da aldeia, viam, olhando em torno
Cada vez mais camponeses saindo das casas
Seguindo-os atrás do cavalo, e no fim do povoado
Pararam, inseguros, e o camponês Niskanen
Um homem devoto, amigo de Ruuskanen, sugeriu
Que a vila arranjasse alguma ração para o cavalo, de modo que
A matança não fosse necessária. Então, em vez do cavalo
Os guardas levaram consigo de volta, ao magistrado amante dos bichos
O camponês Niskanen com sua feliz mensagem
Em favor do cavalo de Ruuskanen. “Ouça, senhor magistrado”, disse ele
“Este cavalo não está doente, apenas sem ração, e Ruuskanen
Morrerá de fome sem seu cavalo. Mate o cavalo
E logo terá que matar o próprio homem, senhor magistrado.”
“Olhe como fala comigo”, disse o magistrado. “O
Cavalo está doente e lei é lei, por isso será morto.”
Preocupados
Voltaram os dois guardas com Niskanen
Retiraram do estábulo de Ruuskanen o cavalo de Ruuskanen
Prepararam-se para levá-lo ao matadouro, mas
Ao chegarem novamente à saída do lugar, lá estavam
Cinquenta camponeses como se fossem grandes pedras, e
Olhavam em silêncio para os dois guardas. Em silêncio
Deixaram estes o cavalo velho na saída do lugar.
E sempre em silêncio
Os camponeses de Nivala conduziram o cavalo de Ruuskanen
De volta ao estábulo.
“Isto é rebelião”, disse o magistrado. Um dia depois
Uma dúzia de guardas com rifles chegou com o trem de Oulu
A Nivala, a vila tão agradavelmente situada
Rodeada de prados, apenas para demonstrar
Que lei é lei. Naquela tarde
Os camponeses retiraram das paredes nuas
Seus fuzis, pendurados junto aos quadros
Pintados com frases bíblicas. Os velhos fuzis
Da guerra civil de 1918, que lhes haviam distibuído
Para usar contra os vermelhos. Agora
Apontavam-nos contra os doze guardas
De Oulu. Naquela mesma noite
Trezentos camponeses, vindos de muitas
Aldeias vizinhas, sitiaram a casa do magistrado
Na colina perto da igreja. Hesitante
O magistrado apareceu na escada, acenou com a mão branca e
Falou do cavalo de Ruuskanen com palavras bonitas
Prometendo deixá-lo viver, mas os camponeses
Já não falavam do cavalo de Ruuskanen, mas sim exigiam
Que os leilões cessassem e que os impostos
Fossem perdoados. Amedrontado até a morte
O magistrado correu ao telefone, pois os camponeses
Haviam esquecido não apenas que havia uma lei, mas também
Que havia um telefone na casa do magistrado, e agora ele telefonava
Seu grito de socorro a Helsinque, e na mesma noite
Chegaram de Helsinque, a capital, em sete veículos
Duzentos soldados com metralhadoras, na frente
Um tanque. E com esta máquina de guerra
Foram derrotados os camponeses, açoitados na Casa do Povo
Seus líderes arrastados ao Tribunal de Nivala e condenados
A um ano e meio de prisão, para que a ordem
Fosse restaurada em Nivala.
Mas sobretudo, em seguida somente
O cavalo de Ruuskanen foi anistiado
Por intervenção pessoal do Ministro do Estado
Em resposta às muitas cartas recebidas.

Bertolt Brecht.
Poemas: 1913-1956; trad. Paulo César de Souza. Ed. 34, 2000.

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