Não é por R$ 0,30 – Considerações acerca do Passe Livre

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Desde as jornadas de junho de 2013, o conceito “passe livre” se tornou conhecido no país inteiro. A ideia de um transporte coletivo financiado coletivamente se espalhou pelo país e incendiou o espirito de revolta pais a fora. E no seio das manifestações populares, ele serviu de estopim à diversas reivindicações sociais relevantes a época, como os grandes investimentos na Copa do Mundo, e pautas mais genéricas como a qualidade da saúde e da educação, no entanto, o transporte coletivo nunca deixou de ser um tema central. A luta pelo passe livre não é, nas suas raizes, uma súplica por soluções estatais para problemas sociais, mas sim uma denúncia. Uma denúncia ao corporativismo, uma denúncia da hipocrisia do Estado e uma denúncia da sua verdadeira face, materializada na violência policial generalizada.

Hipocrisia e corporativismo, ambos manifestados na proibição legal do surgimento de novos serviços de transporte coletivo no sistema, que poderiam sanar demandas locais e oferecer alternativas descentralizadas ao sistema governamental, que não só acabariam aumentando o próprio uso de sistemas de transporte de massa, que tem impactos ambientais menores, mas também melhorando a qualidade de vida das pessoas dependentes de transporte público que acabam sendo mal atendidas pelo sistema Estatal, caro e precário.

E são essas pessoas, que tem uma parcela considerável da sua renda mensal utilizada para o setor de transportes públicos, as maiores afetadas pelo aumento do valor da tarifa, impedidos economicamente de utilizar o transporte que já custearam através de dinheiro de impostos utilizado como subsídio às corporações de transporte.

O valor elevado das tarifas e o péssimo serviço, cartelizado ou monopolizado, criou um sistema de contradições na sociedade que se desenvolveu durante anos, antagonizando o povo financiador e dependente do transporte para se locomover nas cidades e os empresários famintos por mais e mais lucros garantidos pela ação de agentes políticos em seu favor.

Em 2013, essas contradições atingiram ponto crítico. Ao mesmo tempo que o setor batia recordes de ganhos, maiores ainda ficavam os repasses de verbas públicas para compensar um suposto “déficit” no setor. Mesmo com um crescimento nos lucros de 2056% (!), segundo O Globo em uma reportagem em agosto daquele ano, o setor ainda recebia altas somas em  subsídios do setor público, que fazia repasses mensais de dinheiro público, que chegavam a R$ 1,25 bilhão apenas na cidade de São Paulo.

Em maio daquele ano, dois dias após a passagem ser reajustada para R$ 3,20, o jornal Estadão publicava uma matéria aonde explicava, nas palavras das concessionárias,  quais os motivos levaram ao aumento do valor da passagem. Uma dessas razões é a “justa” remuneração para os empresários de ônibus. Segundo o texto da reportagem:

“A tarifa única é uma média. Se fôssemos remunerar as empresas de forma igualitária, algumas regiões iriam à falência”, explica Farias. É que cada bairro tem suas características. Uns têm mais trânsito, outros têm menos passageiros, e o subsídio é usado para equilibrar as contas.”

Ou seja, os subsídios ao transporte serviam para compensar o inexplicável desbalanço que havia na quantidade paga e quanto era necessário para manter a frota, algo que na prática não se confirmava sob nenhum aspecto, em vista dos lucros crescentes das companhias de trânsito. Uma clara prática de financiamento público de empresas privadas, dando razão à velha máxima de Chomsky “lucros privados, prejuízos socializados”.
Isso sem contar os processos licitatórios e os números relativos ao transporte público, sendo geridos com a mais absoluta falta de transparência, impossibilitando que essa realidade fosse à conhecimento público, coisa que beneficia apenas aqueles que tem algo a esconder, que não querem que a população saiba pra quem o Estado trabalha de verdade, dentro de um sistema feito para beneficiar uns poucos em detrimento de muitos.

E, apesar das varias mudanças já realizadas por governos e prefeituras de todo Brasil, no sentido de tornar a gestão do serviço mais transparente e melhorar a qualidade do mesmo, a realidade ainda é a mesma. Apesar do serviço não ter melhorado em nada, a passagem volta a subir, juntamente com ela, sobem os subsídios estatais. Só que dessa vez, os lucros das empresas está retrocedendo, e por isso mesmo a pressão por mais dinheiro público é muito maior. Só que as velhas ladainhas já não colam mais. Em 2013 o povo tomou conhecimento de como se fazer ouvir e nesse ano volta as ruas, a despeito da sempre desproporcional repressão policial. Em um ano aonde o Estado deixa cada vez mais claro a quem serve, não basta que peçamos por um serviço mais justo, acessível e transparente. Devemos pedir também um serviço mais livre, horizontal, de todos e para todos.

Passe Livre não é apenas um grito por uma sociedade mais justa, aonde ninguém seja privado da sua cidade por sua condição econômica, mas também um chamado a ação para construirmos essa sociedade, sem corporações e sem exploração. Um apelo a autodeterminação e à reconstrução da sociedade, a muito destruída pelo Estado e a plutocracia que o mantem.
Texto de: Luiz Paulo Lindenmaier

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