Na Reason, “Guerra é Paz”… E TPP é “Livre Comércio”

Você sabia que o “principal legado” do presidente Obama é livre comércio – e a “menina dos olhos” dessa política de “livre comércio” é a Trans-Pacific Partnership (Parceria Trans-Pacífica)? Nem eu. Mas é o que Shikha Dalmia diz no periódico libertario de direita Reason

(“Why Is Hillary Throwing Obama’s Core Legacy on Free Trade Under the Bus?” 15 de Outubro). Dalmia explicitamente se refere ao TPP como um “acordo de livre comércio entre a América e os países da falha do Pacífico”. Isso deve dar uma amostra do que esses libertários da Reason querem dizer com “livre comércio”.

Como o pretendi dizer com o título, comparar o TPP com “livre comércio” é o tipo de mentira orwelliana que deveria estar nos slogans da Ingsoc, junto com “Guerra é Paz”, “Liberdade é Escravidão” e “Ignorância é Força”.Nem TPP, nem nenhum “tratado de livre comercio” se trata de verdadeiro livre comércio.

E que fique claro: Não estou fazendo a crítica comum, dizendo que esses “acordos de livre comércio” como o TPP não são um passo grande o suficiente em direção à um sistema de real livre comércio. O que quero dizer aqui é que esses acordos são INIMIGOS DIRETOS do livre comércio. Deles surge uma rede de aumentos no protecionismo. As reduções nos impostos e outras barreiras à movimentação de bens entre as nações é apenas secundária, quando não é apenas acidental. O propósito real deles é aumentar drasticamente a forma de protecionismo mais importante ao modelo de negócios corporativo atual: A “propriedade” intelectual. As políticas draconianas de PI dos tratados de “livre comércio” contemporâneos servem aos interesses das corporações globais da mesma forma que as altas tarifas industriais serviram às corporações norte-americanas a um século atrás.

Em outro texto escrito por ela no mesmo dia (“The bogus assumptions of Hillary Clinton’s free-trade switcheroo – A estranha mudança de atitude de Hillary Clinton em direção ao livre comércio,” The Week), Dalmia diz que acordos de “livre comércio” como NAFTA e o TPP, vão “prevenir o trabalhismo de levar a classe média para o buraco”. É isso mesmo – acordos de “livre comércio” são a ferramenta para controlar aquela figura demonizada pela direita: Os malignos sindicatos (eu nunca deixo de me divertir quando alguém culpa os sindicatos pela desindustrialização, quando os pagamentos a CEO’s passam de 40 a 400 vezes a média do pagamento do trabalhador comum na última geração).

Esses tratados, ao facilitar a realocação dos meios de produção através das fronteiras, permitem que corporações contratem mão de obra barata para suas “fábricas de suor” (ambientes de trabalho insalubres) em países com salários baixos (mão de obra desvalorizada), aonde se paga ao trabalhador $2,00 por um par de tênis que será vendido por $200,00 no Wallmart. E graças as patentes e marcas registradas que garantem o monopólio na venda do produto, eles estão protegidos contra produtores independentes que poderiam produzir produtos idênticos e vender a $10 no mercado local.

No início do século XX, quando a maior parte do capital industrial era nacional, países ocidentais importavam principalmente matérias-primas do mundo colonizado e exportavam produtos industrializados. Logo, era do interesse das manufaturas norte-americanas proteger-se de competição no mercado doméstico de bens industrializados em outros países. 100 anos depois entretanto, a maior parte das importações são de multinacionais ocidentais, importando bens produzidos sob contrato para elas, de modo que elas podem vender no mercado doméstico com uma enorme margem sobre o custo de produção, graças à “propriedade” intelectual.

E já que as importações internacionais se tornou majoritariamente um assunto interno das multinacionais, tarifas que impeçam esse movimento de bens se tornaram uma inconveniência. O que elas precisam, na verdade,  é uma forma de protecionismo que ainda as garanta monopólio sobre a venda de um produto específico em um mercado específico, mas que opere nas fronteiras entre corporações, e não entre nações. É isso que a “propriedade” intelectual causa.

Alem das corporações de manufatura discutidas aqui, as industrias mais lucrativas na economia global tem modelos de negócios baseados em direitos de patentes intelectuais: Entretenimento, software, eletrônicos, biotecnologia, etc.

Logo, o que é falsamente chamado “livre comércio” não é diminuição do protecionismo. É uma troca de um tipo de regulação que não serve mais às corporações para um novo tipo que melhor as atende.

A principal função do estado é subsidiar as grandes corporações e protegê-las da competição. Esse tipo de intervenção é a principal fonte de lucro dessas empresas. Então, sempre que você ver o alarde ao redor  de notícias que levem na manchete “livre comércio”, “desregulação” ou “privatização” – e essas medidas tiverem o apoio das grandes empresas -, você já sabe do que se trata. Qualquer um que realmente acredite que o estado ou o interesse corporativo a quem ele serve, iria pressionar tanto em favor a um acordo como o TPP se ele realmente reduzisse a intervenção na economia, provavelmente também acredita em papai noel.

Texto original: https://c4ss.org/content/41012

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