O que é Classe?

What is Class? (O que é classe?) from subMedia.tv on Vimeo.

Luta de classes ou, a luta de dentro e contra o capitalismo é uma força intrínseca da prática e teoria Anarquista. Ainda assim, muitos mitos e equívocos continuam a dificultar o entendimento popular das relações sociais que se encontram nas raízes desse conflito…em outras palavras, a classe por si só.Então, o que seria ela exatamente?E o que os anarquistas tem contra ela? A maioria das pessoas hoje associam classe com o quanto de dinheiro elas ganham. E enquanto é verdade que o tamanho Da conta bancaria de uma pessoa, geralmente é uma boa indicação de sua classe esta definição simplificada tende a obscurecer a maneira em que a classe realmente opera,em nível individual e social,enquanto mascarando sua natureza inerentemente antagonista.uma maneira mais precisa de se definir classe seria dizer que ela é um relacionamento social hierárquico caracterizada pela exploração,e ancorada em um sistema,interconectado de leis Estatais que governam sobre o poder de propriedade Ou para colocar em outros termos…classe é uma forma de organizar as pessoas de acordo com quem é dono do que É claro, tanto a hierarquia quanto a exploração estão aqui a mais tempo que o capitalismo.Dos reis-padres das cidades-estados mais antigas da Mesopotâmia Ao Império Romano,e sua gradual desintegração ao feudalismo medieval a civilização humana sempre foi dominada por uma pequena elite que garantiam a concentração de riquezas e de prestigio, para si mesmos.O advento do capitalismo, destituiu sistemas feudais de controle social e econômico,como o direito Divino de Reis na Europa e o Mandato Divino na China Imperial substituindo estas crenças ultrapassadas
por mitos novos e mais sofisticados baseados na santidade da propriedade privada e a dominação inquestionável do livre mercado No meados do século 19. O famoso filosofo socialista, Karl Marx realizou uma investigação exaustiva sobre como o capitalismo funcionava e os processos históricos pelos quais se desenvolveu.Muitos proeminentes anarquistas da época,tais como Mikhail Bakunin, discordou amargamente com Marx e seus seguidores sobre a questão da estratégia revolucionária,particularmente o papel do Estado.No geral, entretanto,eles concordaram com sua descrição do capitalismo como um sistema caracterizado pela emergência e disseminação de duas classes mutuamente opostas.Essas são: a classe trabalhadora- também conhecido como o proletariado,e a classe capitalista- também conhecida como a burguesia.

Os membros da classe capitalista são definidos por sua posse e controle sobre o capital,enquanto os membros da classe trabalhadora são definidos pelo fato de que não possuírem capital e são assim forçados a relações de exploração com os capitalistas para sobreviver. Capitalistas podem ser subdivididos em três categorias diferentes baseado no tipo de capital que possuem e como eles geram lucro.O primeiro deles são os capitalistas industriais,que possuem e controlam os meios de produção- que são as ferramentas e o equipamento necessário para a produção de mercadoria sem fases iniciais do capitalismo, normalmente isso se refere aos proprietários de fabricas e minas,mas hoje pode se referir aos donos e sócios de uma variedade de empreitadas- de restaurantes fast food à companhias de desenvolvimento de software em outras palavras, o capitalista industrial é seu chefe Eles são quem ganham seu lucro explorando os seus empregados.Segundo, temos os donos de terra.- capitalista que são donos de terra e imóveis que ganham seu lucro explorando seus inquilinos ou, como é cada vez mais comum hoje por meio da gentrificação e outras formas de especulação e desenvolvimento imobiliário.E finalmente, temos os capitalistas financeiros-Que conseguem seu lucro por emprestar dinheiro com juros Estes podem ser desde de penhoristas à centros de empréstimo chegando até o topo, com bancos globais.que emprestam dinheiro para outros capitalistas e até mesmo Estados.O crescimento do capitalismo neoliberal iniciando nos anos de 1970 levou à uma expansão massiva da influência de capitalistas financeiros na economia global.Esta expansão os permitiu intensificara sua exploração direta da classe trabalhadora por meio da introdução de novos instrumentos de divida como cartões de crédito pessoal e empréstimos estudantis e hipotecas de alto risco.Pelos anos, o caráter da exploração da classes e transformou conforme o capitalismo evoluía.Apesar disto, muitos anti-capitalistas ainda se prendem a narrativas de uma época passada.Mesmo hoje, a imagem estereotipada de uma classe trabalhadora majoritariamente brancas e mantém viva, enquanto a verdade é que a maioria do proletariado global são mulheres, e uma maioria inquestionável são de descendência não Europeia.Ainda assim, mesmo com as mudanças do capitalismo os elementos essenciais entre as classes se mantem os mesmos É de conhecimento comum que a classe trabalhadora e a classe capitalista tem interesses mutuamente opostos.Quanto menos somos pagos por nossos chefe se quanto mais os senhorios aumentam o aluguel mais lucro eles recebem e mais pobres nós ficamos.O que é menos compreendido, no entanto,é que as leis capitalistas de competição universal e crescimento constante, criam e moldam divisões internas em cada classe.Os Capitalistas de certa industria estão em constante competição com rivais por fatias do mercado o que significa que eles devem manter uma certa taxa de lucro, ou arriscar ser expulso do mercado.E Capitalistas de um industria as vezes tem interesses completamente contrários a de outros.O preço alto do petróleo por exemplo,vai levar a maiores taxas de lucro para companhias como a BP e a Shell…mas estes podem ser devastador para capitalistas do setor da manufatura ou do transporte.Enquanto todo membro da classe trabalhadora tem um interesse comum de acabar com o capitalismo. Somos também cegados pelos nossos próprios interesses conflitantes de curto prazo.Não só temos que competir entre nós pelos restos que os capitalistas nos dão para sobrevivermos também, muitos de nossos trabalhos impactam negativamente a vida de outros trabalhadores. Numa escala maior, quanto o menor o salário. Dos trabalhadores no Sul Global,mais barato serão os produtos nas lojas de departamentos.Em cima disto, nossa classe é divida em hierarquias baseadas em sistemas opressivos como a raça e gênero. As mulheres por exemplo,são muitas vezes exploradas duplamente sob o capitalismo de nós é também esperado o cumprimento de trabalho não remunerado,como cozinhar, limpar, educar os filhos enquanto sendo simultaneamente paga menos que nossos companheiros masculinos.O papel do Estado é de manejar a economia.de uma forma que se balanceie os interesses conflitantes de segmentos da classe capitalista enquanto protegendo os todos da ameaça de uma revolução trabalhadora.Isto se costuma conseguir por gerar divisões dentro da própria classe trabalhadoras e baseando em nacionalismo,sectarismo religioso,supremacia branca e o patriarcado.Só destruindo esses sistemas opressivos e divisivos que nossa classe, pode se juntar e lutar unida a guerra de classes.e começar a nos liberar de nossas correntes deste sistema parasítico de dominação.Só cessaremos de ser escravos quando juntos, tomarmos tudo.

Tradução de Victor Ramos Mello

 

Outros textos:

Consumo e Alienação
Luta de Classes na Empresa Cuba
Contra o patriotismo – Contra o Nacionalismo
Classe Média: Moralismo paranóico repressivo masoquista

Posted in Artigos, Teoria | Comments Off on O que é Classe?

Recuperação é capitulação! – Trechos de “Um Mundo sem dinheiro”

Em resposta às frequentes interpelações do tipo “Stalin matou foi pouco”, comuns principalmente nessa rede que serve de sepulcro à qualquer sinal de bom senso e honestidade intelectual, o Facebook, reproduzo aqui trechos do texto “Um mundo sem dinheiro”, do grupo francês “Os amigos dos quatro milhões de jovens trabalhadores” aonde se ataca mortalmente o antigo capitalismo oriental seguido pela URSS e China.

Aos compas que quiserem ler na íntegra, segue o link para o texto completo.
Se gostarem, recomendo fortemente os textos abaixo:

Recuperação

Que interesse têm os capitalistas em que lhes chamem comunistas? É uma regra geral que os capitalistas não gostem que lhes chamem capitalistas!

Este nome tem uma origem precisa ligada à revolução russa. Dizer-se comunista é pretender ser dedicado à classe operária em vez de reconhecer que se a explora. É poder dar ao desenvolvimento desumano do sistema um sentido humano: a construção do comunismo. Por toda a parte se içam perante as massas, projectos de uma “nova fronteira” ou de uma “nova sociedade”!

Quando o capital se proclama comunista, quando recupera o pensamento de Marx para o destilar aos intelectuais nas suas universidades ou para embrutecer os operários nas suas fábricas, apenas se limita a imitar um movimento que realmente consegue realizar. O capital não cria nada mas recupera. Alimenta-se da paixão e da iniciativa dos proletários, isto é, alimenta-se do comunismo.

Não podemos perceber grande coisa do comunismo se não tivermos percebido a natureza capitalista dos países de leste. O combate revolucionário não pode poupar o estalinismo, que é um sistema e uma ideologia fundamentalmente anti-comunista. O facto de ter bastiões mesmo no seio da classe operária não nos deve amolecer mas deve-nos, sim, incitar a não fazer compromissos.

Prestámos um serviço notável ao estalinismo ao não o criticarmos enquanto sistema capitalista. Os revolucionários, principalmente os anarquistas, reconheceram-no como comunista na condição de poderem juntar a esse termo o de autoritário. A autoridade, eis o monstro! À laia de explicação vamos pesquisar a personalidade de Karl Marx.

Os trotskistas desenvolveram, a seguir a Trotsky, adversário pouco afortunado de Estaline, interpretações tão complicadas quanto imbecis. Base socialista e superestrutura capitalistas teriam coabitado, pelo menos na U.R.S.S. No caso dos outros países continua-se a debater. De qualquer forma nunca compreenderam nada do comunismo. Não mais do que Trotsky, que via no trabalho obrigatório um princípio comunista. Eles não são revolucionários, mas Trostsky era. Só que nunca passou de um revolucionário burguês nem de um burocrata desgraçado. Deixemos todo esse pequeno mundo ao seu intelectualismo, às suas querelas bizantinas e ao seu ridículo feiticismo da organização.

Os maoístas, esses “místico-estalinistas”, reduzem todo o caso a uma questão de política e de moral. A U.R.S.S. tornou-se social-imperialista e talvez até bem capitalista. Felizmente a China e a Albânia, sob a sensata direcção proletária de Mao, de Enver Hoxa e de Bibi Fricotin não foram contaminadas. O comunismo é o lucro e a política postos ao serviço do povo!

À medida que as ideias comunistas se propagam, incluindo pela U.R.S.S. e pela China, para satisfazer os desejos de um proletariado que se torna revolucionário, essas seitas tornam-se cada vez mais grotescas! Tentam desempenhar, no palco da política, o papel da revolução. Estão na vanguarda, mas na vanguarda do capital. Pois em períodos de revolução todos os fantoches da política tentam dar-se ares revolucionários para não serem derrubados.

Tornou-se uma tradição que a revolução seja combatida em nome da revolução. Os militantes estalinistas ou esquerdistas que se desencaminharam voltarão a juntar-se ao verdadeiro partido comunista.

Algumas pessoas, menos cegas, reconhecem no capitalismo oriental a divisão em classes sociais. Infelizmente pensam também reconhecer nele um modo de produção novo e superior. O que é dar uma importância imerecida a Estaline e seus consortes.

Estado e Propriedade Privada

O ESTADO E O CAPITALISMO

No campo “comunista” o dinheiro continua tranquilamente a circular. A divisão por fronteiras e no interior dessas fronteiras, a divisão da economia em empresas comportam-se às mil maravilhas.

O papel que o Estado desempenha na economia, e que assenta juridicamente na propriedade pública das empresas, explica-se pela natureza do capitalismo.

O Estado e a mercadoria são velhos amigos. Os negociantes querem que a sociedade se unifique, que os ladrões sejam perseguidos e que a moeda esteja garantida. O Estado e a burocracia encontraram, com a circulação de bens e de pessoas, o meio de se afastarem do mundo agrícola.

O Estado moderno, quer seja uma monarquia ou uma república, é o produto da dissociação das estruturas feudais pelo capital. Opõe-se aos interesses particulares enquanto representante do interesse geral. É necessário ao capital pois ajuda a ultrapassar as contradições e as oposições que este não consegue impedir de provocar. A monarquia e a burguesia, apesar dos momentos difíceis – apoiaram-se face ao feudalismo. A unificação política era necessária ao desenvolvimento das empresas comerciais e industriais. A fortuna e a riqueza permitiam o reforço e a autonomia do poder do Estado. Este chegou até a intervir, muitas vezes directamente, para fornecer ou para concentrar o capital necessário a este ou àquele ramo da indústria. Pôs a funcionar o arsenal jurídico necessário ao desenvolvimento de uma mão-de-obra livre. Liquidou velhos costumes e velhos entraves. Quando a burguesia apareceu directamente na cena política já era, há muito tempo, uma força dominante e há muito tempo que o estado monárquico tinha passado a servi-la.

Na Rússia e no Japão, países que foram lançados na cena internacional num estado de sub-industrialização, foi o próprio Estado que provocou e que organizou o desenvolvimento do capitalismo. Fê-lo para preservar as bases do seu próprio poder, para se fornecer de armas modernas. Ao pôr o capital ao seu serviço não fez mais do que se inclinar perante a sua superioridade. A monarquia desenvolveu um processo que iria causar a sua própria destruição. Mas as condições necessárias a este transplante não se reuniam em todo o lado. Se teve êxito no Japão foi porque o Estado já era autónomo e o comércio já se tinha desenvolvido. A China falhou momentaneamente, bem como a maior parte dos outros países pré-capitalistas.

O Estado deve, muitas vezes, intervir para corrigir um capital que gosta de se mostrar caprichoso e que prefere instalar-se ali em vez de se instalar noutro sítio qualquer e os regimes burocráticos limitam-se a acentuar essa tendência a um ponto que ela nunca tinha alcançado anteriormente.

Será que o capitalismo oriental permite um crescimento mais harmonioso ou mais racional do que o capitalismo ocidental? A questão não tem grande sentido. Se apareceu foi graças ao enfraquecimento do capitalismo tradicional. Se este capitalismo tradicional é importado hoje, novamente, para Moscovo ou para Leninegrado isto acontece devido aos defeitos do capitalismo oriental.

Nos sítios onde a burguesia se desenvolve, lentamente, pela economia, a burocracia conquista poder político apoiando-se em forças sociais como o proletariado ou os camponeses. Ela é também fruto da desagregação da sociedade tradicional pelo capitalismo internacional. A burocracia não tinha escolha. Não podia, como pretendia, instaurar o socialismo ou o comunismo. E também não podia restaurar nem fertilizar o capitalismo tradicional. Tudo isto devido aos seus apoios sociais e às suas necessidades em capitais. Encontrou, empiricamente, uma via conforme à sua natureza que lhe permitia acumular capital industrial à custa dos camponeses.

A burocracia é uma força unificadora que permitiu a transferência autoritária de riqueza de um sector a outro da sociedade. Modifica o desenvolvimento espontâneo do capital em benefício dos seus objectivos de poder e de continuidade. Mas o capital não é uma força neutra que possa ser usada num sentido qualquer. A burocracia planifica, domina. Mas planifica e domina o quê? A acumulação do capital. Ela reduz o mercado livre, combate um mercado negro que renasce sem cessar. Isto não é a prova do seu anti- capitalismo mas um sinal de que a base natural do capital está bem viva. O que dizer do jardineiro que, só por ter de arrancar as ervas daninhas, pretende que as plantas que cultiva já não são vegetais?

Os próprios Estados ocidentais foram obrigados a intervir de uma forma cada vez mais directa no jogo das forças económicas. Devem ter uma política social e ocupar-se da planificação. A burocratização não é um fenómeno próprio dos países de Leste. Diz tanto respeito aos Estados democráticos e fascistas como às grandes empresas privadas. É o produto, e o triste remédio, para a atomização crescente da sociedade.

Num sentido é inexacto falar, no que respeita aos países de leste, de capitalismo burocrático ou de capitalismo de Estado. Todos os capitalismos modernos são burocráticos e de Estado.

O Estado, proprietário do conjunto da indústria, não tem no entanto o controle absoluto deste. Poder efectivo e poder jurídico não são a mesma coisa.

Com o capitalismo liberal, o Estado pode, apoiando-se em forças populares, militares ou mesmo burguesas, atacar esta ou aquela grande empresa: ele é o poder. Isto não lhe permite, no entanto, elevar-se para lá das leis económicas. Quer-se insurgir contra o poder dos monopólios mas não se pode regressar às pequenas empresas do passado.

Com o capitalismo oriental, o Estado burocrático, seja qual for a sua sede de controlo, não pode abolir as categorias mercantis nem a concorrência entre as empresas. Enquanto houver empresas diferentes estas farão concorrência ainda que os preços não sejam livres.

Esta falta de unidade não se limita à esfera económica. A própria burocracia é dividida sem cessar pelas lutas entre fracções e pelos conflitos entre indivíduos. À falta de unidade a imagem de unidade deve ser mantida. O inimigo não é o concorrente imediato dentro do Partido mas sim o Anti-Partido.

Aquilo que a burocracia dá, em eficácia, à economia, retira-lha por outro lado. A mentira, a perda do sentido de realidade embebe o corpo social. As lutas ocultas substituem a concorrência aberta.

Capaz de organizar o arranque económico nas condições mais ingratas, a burocracia anda a reboque do avanço tecnológico das sociedades liberais.

 

Posted in Artigos, Contra a Recuperação | Comments Off on Recuperação é capitulação! – Trechos de “Um Mundo sem dinheiro”

O Trabalho e a alienação da Vida

Quanto tempo do seu dia você dedica ao seu trabalho? E quanto tempo você dedica a sua vida? Quantas horas você passa fazendo o que quer fazer e quantas passa fazendo o que tem que fazer? Quanto tempo você passa sendo um personagem, uma empresa, um profissional e durante quanto tempo você é uma pessoa por si, com desejos, paixões, ódios e amores?
Na rotina, vida e trabalho se confundem, e as necessidades da vida nos levam a ser uma personagem, um profissional, em tempo integral. Essa persona, alheia a nós como indivíduos em si, se embrenha como um parasita nos roubando a nossa própria existência, a nossa própria criatividade, até que o simples ser seja um ato profissional. Então estamos prontos para ver aqueles que não podem (por razões socialmente determinadas) participar desse teatro armado para nós pelo capital como párias, divergentes, vagabundos… E assim, armamos para eles um papel dentro do nosso teatro, os forçando a participar dele, os jogando nas beiras do palco da vida real enquanto nos imaginamos num pódio mais elevado, os olhando com desprezo afinal, é esse o nosso roteiro. Podemos ser caridosos e lhes estender as mãos ou simplesmente ignorar a sua existência. Podemos lutar para que eles tenham a oportunidade de subir no pódio conosco ou buscar simplesmente buscar aumentar nossos própios pódios, mas não podemos deixar de participar do espetáculo. Nisso, somos iguais: Todos dançando conforme a música, inertes a nossa realidade.
Não se trata de uma escolha para nós, o ato ritualístico do trabalho é condição de sobrevivência. Dançar no nosso pódio a música que está tocando é o que nos garante estarmos vivos. Física e socialmente. O medo de cair nos impele a dançar mais e mais e nessa dança, já não somos nós! Somos o profissional competente, o comprador consciente, o cidadão de bem…
Gerações passadas tiveram conquistas, limitaram o trabalho a um canto, um campo separado da vida, mas foi essa divisão que os derrotou. É essa divisão que nos derrotou. O trabalho, como manifestação da própria existência separada e alheia a ela, diluiu em décadas as conquistas de nossos antepassados e as desfez, permitindo ao espetáculo que as absorvesse tranquilamente. A jornada de oito horas de trabalho, pauta de grandes greves gerais do passado, hoje já se expande para dentro da vida do trabalhador de diversas formas, e essa divisão, que antes serviu de motor para tanta luta, hoje se desfaz e dispersa as perspectivas da libertação da humanidade desse espetáculo sanguinário.

 

Leia mais sobre essas ideias em: O crepúsculo das personificações, de Fredy Perlman

Posted in Artigos, Contra o Trabalho | Comments Off on O Trabalho e a alienação da Vida

Consumo e Alienação

Para sobrevivermos na sociedade da mercadoria, somos forçados a explorar o outro, ou pelo menos ser coniventes com essa exploração.O desejo inculcado em nós de ter cada vez mais coisas nos faz desejar que as coisas cada vez mais custem menos. Desejamos produtos baratos, serviços baratos, comida barata etc. a despeito do quanto de trabalho e em quais condições de trabalho aquilo que desejamos consumir foi produzido.

A busca pela satisfação desse desejo torna o desejo pela intensificação da exploração do outro algo intrínseco à realização do nosso próprio bem estar. É essa condição de vida que nos coloca diariamente em guerra uns contra os outros. Em um mundo aonde tudo está a venda, quem não tem o que vender vende a si mesmo. E o preço dessa venda, o valor que se dá para a pessoa não é determinado pelas suas necessidades diretas, mas pela sua capacidade contribuir para a acumulação geral de riquezas. Efetivamente desejamos que as pessoas tenham e sejam menos que nós para podermos ter e ser mais do que elas.

Se temos o pão por um preço baixo, de que nos importa a exploração a que são submetidos o atendente da padaria, o padeiro, o cultivador de trigo e assim por diante? Se algum desses, certamente com muita luta, conseguir o direito à um salário maior e isso acabar aumentando o preço do pão, é óbvio que nos colocaremos contra o trabalhador. O culpado não pode ser o nosso modo de vida atual ou o dono da padaria que emprega o padeiro com altas margens de  lucro.

Assim, através do consumo, somos todos exploradores e explorados. Somos todos exploradores de nossos iguais e explorados quando estamos no papel do padeiro, quando somos nós os empregados. Todos fabricamos, todos os dias, as correntes com as quais seremos encarcerados.

E longe disso ser um julgamento à moralidade do consumo, trata-se de uma constatação da bizarrice desse mundo de ponta cabeças que nos vendem como “o melhor mundo possível”. Não existe “consumo moral” em um mundo aonde o simples ato de consumir está alheio a sua contraparte na produção.

Posted in Artigos, Contra a Recuperação, Contra o Trabalho | Comments Off on Consumo e Alienação

Empregados

trabalho-escravoVocê já parou para pensar no seu lugar , no seu papel na sociedade? É comum na nossa vida cotidiana nos sentirmos incompletos, necessitados de mais coisas, mais dinheiro para mais bens para mais bem estar, no entanto dificilmente paramos de pensar na nossa carteira para olhar nos olhos do atendente da lanchonete que nos serve pelas manhãs na ida ao trabalho. Vemos ele como um meio, um trabalhador não um ser humano. Mas pense nisso, quanto será que ele ganha? Aonde será que ele mora? Será que ele se considera bem empregado? Que palavra curiosa essa, empregado… Presume que a força de trabalho de alguém está sendo empregada, usada, posta em ação por outro alguém, alguém alheio as necessidades e desejos de quem é empregado.

charge-trabalho
E se esse empregado vivesse numa comunidade de empregados, aonde a realidade da vida dele é a competição por empregos melhores, com pagamentos maiores e com condições de trabalho melhores? Pois é justamente nessa condição de empregado que me encontro. No entanto tive a sorte de não estar na posição do atendente da lanchonete, mas sim na posição do comprador. Meu salário, o pagamento que recebo pelo emprego da minha criatividade por outra pessoa, é consideravelmente superior à média de pagamentos que os outros empregados ao meu redor, na minha comunidade, recebem. Numa situação dessas, é fácil adotar a ideologia da meritocracia, afinal se eu consegui, porque eles não poderiam conseguir também? E aí é que mora o perigo. Individualizado, apartado dos meus vizinhos menos sortudos, me torno um aspirante a novas classes mais altas, um bajulador delas que as vê de longe e anseia a sua posição, aceitando trabalhar o dobro do que eles para isso.
E assim a sociedade se divide em inúmeros estamentos com membros que concorrem entre si por posições nos estamentos superiores, uma guerra de todos contra todos que incentiva todo tipo de violência individual, desumanização e conflitos. As pessoas que trabalham comigo não notam o quão sortudas são, não olham nos olhos dos outros empregados que as servem. Nem eu o faço, preciso confessar.

8esclavos
Mas ainda lembro a primeira vez que o fiz. Bastou que eu olhasse para frente e lá estava aquele ser semi-humano, privado de qualquer espontaneidade, um adendo à máquina, sem qualquer perspectivas ou vida própria. Repetia frases decoradas, oferecia produtos tabelados aos quais eu respondia sim ou não em um diálogo mecanizado parecendo dois computadores trocando as informações que lhes programaram pra trocar. Ao notar isso, pensei nas horas em que eu era o adendo da máquina, nas horas que era a minha força que era empregada por outra pessoa para fazer aquilo que eu não queria fazer ou simplesmente não me importava de fazer. Afinal é justo: estou sendo pago. Não é de bom-tom reclamar: sou muito bem pago. Não posso reclamar: existe outra pessoa querendo ser empregada no meu lugar, disposta a trabalhar o dobro que eu trabalho para isso.

 

Gostou? Quer ler mais?

A decadência do trabalho – Raoul Vaneigem

A Reprodução da vida Cotidiana – Fredy Perlman

O Crepúsculo das Personificações – Fredy Perlman

Posted in Artigos, Contra o Trabalho | Comments Off on Empregados

A relevância do Anarquismo

Noam Chomsky, entrevistado por Peter Jay
A entrevista de Jay, 25 de julho de 1976

cropped-cropped-cropped-JYcaUad1.png

PERGUNTA: Professor Chomsky, talvez devêssemos começar por tentar definir o que não se entende por anarquismo a palavra anarquia é derivada, afinal, do grego, que significa literalmente “sem governo”. Agora, provavelmente pessoas que falam de anarquia ou anarquismo como um sistema de filosofia política não significa apenas, para ilustrar, que a partir de 01 de janeiro do próximo, o governo como gora entendemos, de repente cessa; não haveria polícia, sem regras da estrada, sem leis, sem os cobradores de impostos, sem correios, e assim por diante. Presumivelmente, isso significa algo mais complicado do que isso.

Chomsky: Bem, sim para algumas dessas perguntas, não para outros. Se pode muito bem estar sem policiais, mas eu não acho que significaria sem regras da estrada. Na verdade, devo dizer, para começar, que o termo anarquismo é usado para cobrir uma vasta gama
de ideias políticas, mas eu prefiro pensar nela como a esquerda libertária, e desse ponto de vista o anarquismo pode ser concebido como uma espécie de socialismo voluntário, ou seja, como anarquista socialista ou anarcosindicalista ou comunista libertário, a tradição de, digamos, Bakunin e Kropotkin e outros. Estes tinham em mente uma forma altamente organizada da sociedade, mas uma sociedade que foi  organizada com base em unidades orgânicas, de comunidades orgânicas.
E geralmente, queriam dizer no local de trabalho e do bairro, e a partir dessas duas unidades básicas é que poderia se derivar através de arranjos federativos uma espécie altamente integrada de organização social tanto nacional ou internacional. Tais decisões poderão ocorrer em espaços assembleários, mas tendo sempre delegados que formam parte da comunidade orgânica de onde vêm, para onde regressa, e em que, de
fato, vivem.

PERGUNTA: Então, isso não significa uma sociedade na qual não há, literalmente falando, nenhum governo, tanto como uma sociedade em que a fonte primária de autoridade vem, por assim dizer, de baixo para cima, e não de cima para baixo. Considerando que a democracia representativa, como a que temos nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha, seria considerada uma entidade de cima para baixo, mesmo que em última análise, os eleitores são quem decidem.

A democracia representativa, como, por exemplo, os Estados Unidos ou Grã-Bretanha, seria criticada por um anarquista desta escola por duas razões. Primeiro de tudo porque há um monopólio de poder centralizado no Estado, e em segundo lugar e crítica porque a democracia representativa está limitada à esfera política e não se estende de maneira séria na esfera econômica. Os anarquistas desta tradição sempre declararam que o controle democrático da vida produtiva é o cerne de toda libertação humana, ou, aliás, de qualquer prática democrática significativa. Ou seja, enquanto os indivíduos são
obrigados a alugar-se no mercado para aqueles que estão dispostos a contratá-los, desde que o seu papel na produção for simplesmente o de instrumentos auxiliares, então há notáveis elementos de coerção e opressão que tornam a democracia muito limitada e, mesmo sem significado.

PERGUNTA: Historicamente, têm havido alguns exemplos
sustentáveis em qualquer escala significativa de sociedades que
se aproximaram do ideal anarquista?

Há sociedades pequenas, pequenas em número, que eu acho que tem feito muito bem, e há alguns exemplos de grande escala de revoluções libertárias que foram largamente anarquista em sua estrutura. Quanto ao  primeiro, as sociedades pequenas que se estendem por um longo período, eu acho que o exemplo mais dramático é, talvez,
os kibutzim israelenses, que durante um longo período foram realmente construídos em princípios anarquistas, ou seja: autogestão, o controle direto dos trabalhadores, a integração da agricultura, indústria, serviço, participação pessoal em autogestão. E eles foram extraordinariamente bem sucedidos por qualquer medida que se verifique.

PERGUNTA: Mas eles foram, presumivelmente, e ainda são parte do Estado convencional, o que lhe garantem certa estabilidade básica.

Bem, eles nem sempre foram. Na verdade, sua história é bastante interessante. Desde 1948 eles foram no quadro de um Estado convencional. Antes que eles estavam dentro da estrutura do enclave colonial e, de fato, havia uma sociedade subterrânea, em grande parte
cooperativa, que não era realmente parte do sistema do mandato britânico, mas estava a funcionar fora dele. E, em certa medida, que sobreviveu à criação do Estado, embora, naturalmente, tornou e integrou-se no estado e na minha opinião perdeu uma quantidade justa de seu caráter socialista libertário nesse processo, e através de outros
processos que são únicos para a história dessa região, que não
precisamos entrar.
No entanto, como o funcionamento das instituições socialistas libertárias, eu entendo que eles são um modelo interessante que é altamente relevante para as sociedades industriais avançadas de uma maneira em que alguns dos outros exemplos que existiram no passado
não são. Um bom exemplo de uma revolução anarquista realmente em grande escala de
fato o melhor exemplo no meu conhecimento é a Revolução Espanhola de 1936, no qual, durante a maior parte da Espanha republicana, houve uma revolução anarquista muito
inspiradora, que envolveu tanto a indústria e da agricultura em áreas importantes, desenvolvidos de uma forma que para o exterior, parece espontâneo. Embora, de fato, se você olhar para a raiz de tudo, você descobre que ela foi baseada em cerca de três gerações de experimento mental, e o trabalho das ideias anarquistas em parcelas grandes da
população, em grande medida pré-industriais – embora não totalmente
uma sociedade pré-industrial. E foi em medidas humanas e econômicas, de muito sucesso. Ou seja, a produção continuou efetivamente, os trabalhadores nas fazendas e nas fábricas se mostraram bastante capazes de gerirem seus próprios assuntos sem a coerção de cima, ao contrário do que muitos socialistas, comunistas, liberais e outros acreditavam. E, na verdade, você não pode dizer o que teria acontecido. Essa revolução anarquista foi simplesmente destruída pela força, mas durante o breve período em que era viva, em
minha opinião é que foi um grande sucesso e, como digo, em muitos aspectos um testemunho muito inspirador da capacidade dos pobres e das pessoas que trabalham para organizar e gerir seus próprios assuntos, com muito êxito, sem coerção e controle. Como é relevante a experiência espanhola é uma sociedade industrial avançada pode-se
questionar em detalhes.

PERGUNTA: É claro que a ideia fundamental do anarquismo está centrada no indivíduo não necessariamente de forma isolada, mas com outros indivíduos – e a realização de sua liberdade. Isso de certa forma se parece muito com as ideia de fundação dos Estados Unidos da América. Em que a experiência estadunidense traz liberdade como utilizado e em que essa tradição se torna suspeita ao pensamento libertário?

Deixe-me apenas dizer que eu realmente não me considero um pensador anarquista. Eu sou um viajante com o interesse nesse ponto [do anarquismo], digamos. Os pensadores anarquistas referem-se constantemente a experiência americana e com o ideal de democracia jeffersoniano muito favoravelmente. Você sabe, o conceito de Jefferson
de que o melhor governo é o governo que menos governa, ou adição de Thoreau para isso, que o melhor governo é aquele que não governa em tudo, é muitas vezes repetida pelos pensadores anarquistas até os tempos modernos.
No entanto, o ideal da democracia jeffersoniana pondo de lado o fato de que era uma sociedade escravocrata desenvolvido em um sistema essencialmente pré-capitalista,
ou seja, em uma sociedade na qual não houve controle monopolista, não houve significativos centros de poder privado. De fato, é impressionante a voltar a ler hoje, alguns dos textos clássicos libertários. Se alguém lê, por exemplo, a crítica de
Wilhelm von Humboldt do Estado de 1792 [versão em Inglês: Os Limites da Ação do Estado (Cambridge University Press, 1969)], um texto clássico significativa libertário que certamente inspirou John Stuart Mill, verifica-se que ele não fala a todos da necessidade de resistir à concentração do poder privado, ao contrário, ele fala da necessidade de
resistir à invasão do poder coercitivo do Estado. E é isso que se encontra também no início da tradição americana. Mas o motivo é que esse foi o único tipo de poder que havia. Quero dizer, Humboldt parte do princípio de que os indivíduos são aproximadamente equivalentes em seu poder privado, e que o único desequilíbrio de poder real reside no Estado centralizado, autoritário, e a liberdade individual tem que ser defendida contra essa intrusão o Estado ou a Igreja. Isso é o que ele sente que é preciso resistir.
Agora, quando ele fala, por exemplo, da necessidade de controle de sua vida criativa, quando ele denuncia a alienação do trabalho que produz a coerção ou a instrução ou a orientação em seu trabalho, ele está dando uma ideologia antiestatista
e antiteocrático. Mas os mesmos princípios se aplicam muito bem à sociedade industrial
capitalista que emergiu mais tarde. E neste contexto que Humboldt, sendo coerente, acabou sendo um socialista libertário, em meu entendimento.

noam_chomsky_a_propaganda_represe_ol

PERGUNTA: Em face desses precedentes não levariam à sugerir que há algo inerentemente pré-industrial sobre a aplicabilidade das idéias libertárias que
pressupõe necessariamente uma sociedade bastante rural em que a tecnologia e a produção sejam bastante simples, e em que a organização econômica tende a ser de pequena escala e localizada?

Bem, deixe-me separar isso em duas questões: uma, como os anarquistas se sentem sobre isso? e dois , o que eu penso sobre isso? Existem dentro do movimento anarquista duas formas distintas de ver isso. Há uma tradição anarquista e pode-se pensar, por
exemplo, de Kropotkin como representante que teve muito da carateristica que você descreve. Por outro lado, há uma outra tradição anarquista que se desenvolve no anarcosindicalismo, que considerada simplesmente que as idéias anarquistas como um modo adequado de organização para uma sociedade industrial avançada altamente
complexa. E essa tendência do anarquismo se aproxima, ou ao menos, se interrelaciona muito de perto com uma variante do marxismo de esquerda, do tipo que se encontra em, digamos, nos Conselhos Comunistas que cresceram na tradição luxemburguesa e que mais tarde desenvolvidos por marxistas teóricos como Anton Pannekoek, que desenvolveu toda uma teoria de conselhos de trabalhadores na indústria e que ele próprio é um cientista e astrônomo, uma parte muito significativa no mundo industrial. Então, qual dessas duas visões está correta? Quero dizer, é necessário que os conceitos anarquistas pertencentes à fase pré-industrial da sociedade humana ou é o anarquismo o modo racional de organização para uma sociedade industrial altamente avançada? Bem, eu mesmo entendo que o último, ou seja, a minha compreensão é que a industrialização e o avanço da
tecnologia levantam as possibilidades de autogestão em larga escala que simplesmente não existiam em um período anterior. E isso, de fato, é precisamente o modo racional para uma sociedade industrial avançada e complexa, em que os trabalhadores podem muito bem se tornar donxs de seus próprios negócios imediatos e diretos, isto é, na direção e
controle da empresa, mas também pode estar em uma posição para fazer as grandes decisões importantes, sobre a estrutura econômica, relativas às instituições sociais, relativas ao planejamento, e muita coisa além. No momento, as instituições não permitem que eles tenham controle sobre as informações necessárias, bem como a formação
relevante para entender essas questões. Um bom negócio pode ser automatizado. Grande parte do trabalho necessário para manter um nível decente de vida social foi expedido para máquinas e continua acontecendo pelo menos em princípio o que significa que os seres humanos estariam livres para empreender o tipo de trabalho criativo que não foi possível,
objetivamente, nos estágios iniciais da revolução industrial.

PERGUNTA: Eu gostaria de prosseguir por um momento na questão da economia de uma sociedade anarquista, mas você poderia esboçar um pouco mais detalhadamente a constituição política de uma sociedade anarquista, como seria vê-la em condições modernas? Haveria partidos políticos, por exemplo? Quais as formas residuais de governo de fato permaneceriam?

Deixe-me esboçar o que eu entendo como seria um consenso áspero, e um que eu compreendo que seja essencialmente correto. Começando com os dois modos de organização e controle , ou seja, organização e controle no trabalho e na comunidade , pode-se imaginar uma rede de conselhos de trabalhadores, e em um nível
superior, a representação através das fábricas, ou em ramos da indústria, ou através de ofícios, e para as assembléias gerais de conselhos de trabalhadores que podem ser regional, nacional e internacional, em geral. E a partir de outro ponto de vista , podese
projetar um sistema de governo que envolve assembléias locais mais uma vez, federados regionalmente, lidando com questões regionais, cruzando artesanato, indústria, comércio, e assim por diante, e, novamente, no nível de uma nação ou além.
Agora, exatamente o modo como eles se desenvolvem e como eles se interrelacionam e se você precisa de ambos ou apenas um, bem, essas são questões sobre as quais os teóricos anarquistas têm debatido e existem muitas propostas, e eu não me sinto confiante para aceitar um padrão. Estas são questões que terão de ser trabalhadas.

PERGUNTA : Mas , não haveria , por exemplo, as eleições nacionais diretas e partidos políticos organizados de costa a costa , como existe? Porque, se houvesse que, presumivelmente, criar uma espécie de autoridade central que seria hostil à ideia de anarquismo.

Não, a ideia de anarquismo é que a delegação de autoridade é bastante mínima e que os seus participantes, em qualquer um desses níveis de governo devem estar diretamente sensível à comunidade orgânica em que vivem. Na verdade, a situação ideal seria a de que a participação em um desses níveis de governo deve ser temporária, e mesmo durante o período em que ela está ocorrendo deve ser apenas curto, ou seja, os membros de um conselho de trabalhadores que estão possuem algum tempo para tomar decisões que outras pessoas não o tenham, e também que devam continuar em parte, de fazer o seu
trabalho no local de trabalho ou comunidade do bairro em que pertençam.
Quanto aos partidos políticos, a minha sensação é de que uma sociedade anarquista não teria que forçadamente impedir os partidos políticos existam. Na verdade, o anarquismo sempre foi baseada na ideia como no tipo de leito de Procusto, qualquer sistema de normas que se impõe sobre a vida social vai restringir e muito subestimar a sua
energia e vitalidade e que todos os tipos de novas possibilidades de organização voluntária pode desenvolver em que o nível mais elevado de cultura material e intelectual. Mas eu acho que é justo dizer que na medida em que os partidos políticos sejam considerados necessários, a organização anarquista da sociedade terá falhado. Eu penso, que onde
há participação o direta em autogestão, nos assuntos econômicos e sociais, onde ocorra conflitos, facções e diferenças de interesse, de idéias e opiniões, seja necessário cultivar a comunicação e respeito em todos os niveis. Mas diante disso, eles devam cair em dois, três ou “n” partidos políticos, eu não vejo assim. Eu acredito que a complexidade do
interesse humano e da vida não levariam a essa moda. Partidos representam basicamente interesses de classe, e as classes teriam sido eliminadas ou superadas em uma sociedade anarquista.

PERGUNTA: Uma última pergunta sobre a organização política.
Não é perigoso neste tipo de montagem estrutural e quase governamental
hierarquizada, sem eleições diretas, que o corpo central, ou do corpo que está, em certo sentido, na parte superior da pirâmide, ficar muito distante do povo em sua base? E uma vez que é possível ter alguns poderes, em caso de lidar com assuntos internacionais, por exemplo, e poderia até ter o controle sobre as forças armadas ou algo equivalente, não seria menos democraticamente ágil do que o regime existente?

É uma possibilidade que qualquer sociedade libertária corre em seu desenvolvimento, de tender como descreveu, a qual as instituições devam ser projetadas para evitar. E eu acho que isso é perfeitamente possível. Eu mesmo sou totalmente persuadidos de que a participação na governança é um trabalho em tempo integral, como por exemplo, em uma sociedade irracional, onde surgem todos os tipos de problemas por causa da natureza irracional das instituições. Mas em uma sociedade industrial avançada funcionando adequadamente e organizada ao longo de linhas libertárias, eu acho que a execução de
decisões tomadas pelos órgãos de representação é um trabalho em tempo parcial, tendo um rodízio dentro da comunidade e, além disso, deve ser realizada por pessoas que permaneçam trabalhando. Pensemos na administração como, digamos, uma produção de aço. Se isso pode ser verdade e eu acho que é uma questão de fato empírico que tem que ser determinada, não pode ser projetada apenas mentalmente mas se vier a sair para ser verdade, então parece-me que a sugestão natural seria que a administração deva ser organizada industrialmente, como simplesmente um dos ramos da indústria, com os conselhos de seus próprios trabalhadores e sua próprio autogoverno e sua própria
participação em assembléias mais amplas. Eu poderia dizer que em conselhos de trabalhadores que espontaneamente desenvolvidos aqui e ali por exemplo, na revolução
húngara de 1956 – isso foi o que aconteceu e foi muito bonito. Havia, pelo que me lembro, conselho de funcionários públicos que foram simplesmente organizados ao longo das linhas industriais como ramo da indústria dos trabalhadores. Isso é perfeitamente possível, e que deveria ser ou poderia ser uma barreira contra a criação do tipo de
burocracia coercitiva remota que os anarquistas têm medo.

PERGUNTA : Se você acha que não vai continuar a ser a autodefesa uma necessidade em um nível muito sofisticado, não vejo em sua descrição de como você iria conseguir o controle efetivo do sistema de conselhos representativos em vários níveis de baixo para cima, sobre uma organização tão poderosa e tão tecnicamente sofisticada como, por exemplo, o Pentágono. 

Chomsky: Bem , em primeiro lugar , devemos ser um pouco mais claro sobre a terminologia. Você se refere ao Pentágono, como geralmente é feito, como uma organização de defesa. Em 1947, quando a Lei de Defesa Nacional foi aprovada, o antigo Departamento de Guerra o departamento americano preocupado com a guerra, que até aquele momento era honestamente chamado o departamento de guerra teve seu nome alterado para o Departamento de Defesa. Eu era um estudante, nesse tempo, e não acredito que era muito sofisticado, mas sabia e todo mundo sabia que isso significava que por qualquer motivo, as forças armadas estadunidenses tinham sido envolvidas em defesa no passado – isso acabava ali. Desde que foi chamado de Departamento de Defesa, significou que ia ser um departamento de agressão, nada mais.

PERGUNTA : No princípio de nunca acreditar em nada até que seja negado oficialmente. 

CHOMSKY : Certo. Assim como na suposição que Orwell tinha capturado essencialmente a natureza do Estado moderno. E isso é exatamente o caso. Quero dizer, o Pentágono não é em nenhum sentido um departamento de defesa. Ele nunca defendeu os Estados Unidos em momento algum. Só tem servido para conduzir a agressão. E acredito que o povo estadunidense seria muito melhor sem um Pentágono. O povo certamente não precisa dele para a sua defesa. A sua intervenção nos assuntos internacionais nunca foi bem, você sabe, nunca é uma palavra forte , mas eu acho que seria difícil encontrar um caso certamente não foi a sua característica base para apoiar a liberdade, ao ser livre ou a defender as pessoas e assim por diante . Esse não é o papel da organização militar maciça, que é controlada pelo Departamento de Defesa. Pelo contrário, as suas funções são duas, ambas bastante antissociais. A primeira é de preservar um sistema internacional em que o que são chamados de interesses estadunidenses o que significa principalmente os interesses das empresas , podem florescer. E , em segundo lugar , tem uma tarefa econômica interna. Quero dizer, o Pentágono tem sido o mecanismo keynesiano primário pelo qual o governo intervém para manter o que é ridiculamente chamado a saúde da economia, induzindo a produção, isso significa que a produção de supérfluos e armamentos. Agora, ambas as funções servem a certos interesses, os interesses dominantes de fato, interesses da classe dominante na sociedade estadunidense. Mas eu não acho, em qualquer sentido, que sirvam ao interesse público, e eu entendo que esse sistema de produção de supérfluos e de armamentos seria essencialmente desmantelado em uma sociedade libertária. Agora , não se deve ser demasiado simplista sobre isso. Se se pode imaginar, digamos, uma revolução social nos Estados Unidos que é um pouco distante, eu diria, mas se isso acontecer, é difícil de imaginar que haveria qualquer inimigo credível do lado de fora que poderia ameaçar a revolução social não seria atacado pelo México ou Cuba , digamos . Uma revolução estadunidenses não exigiria, eu acredito, em defesa contra uma agressão. Por outro lado, se uma revolução social libertária esteja para acontecer, por exemplo, na Europa ocidental, então eu acho que o problema da defesa seria muito crítica.

PERGUNTA : Eu posso dizer que certamente não pode ser inerente à ideia anarquista que não deva haver autodefesa, porque nas experiências anarquistas como ocorreram, que me recordo, na verdade, foram destruídas de fora. 

CHOMSKY : Ah, mas eu acho que para essas questões não se pode dar uma resposta geral. Eles têm que ser respondidas especificamente , em relação às condições históricas e objetivas específicas.

 PERGUNTA : É que eu encontrei um pouco de dificuldade em seguir sua descrição do controle democrático adequado neste tipo de organização, porque acho que é difícil ver generais que controlam a si mesmos da maneira que você aprovaria. 

CHOMSKY: É por isso que eu quero salientar a complexidade da questão. Depende do país e da sociedade que você está falando. Nos Estados Unidos, uma espécie de problema surge. Se houvesse uma revolução social libertária na Europa, onde então eu acredito que os problemas que levantam seriam mais graves, porque não seria um problema sério de defesa. Ou seja, eu diria que, se o socialismo libertário alcançar em algum nível da Europa Ocidental, não seria uma ameaça militar direta tanto à União Soviética e aos Estados Unidos. E o problema seria como que deve ser combatida. Esse é o problema que foi confrontado com a revolução espanhola. Houve intervenção militar direta por fascistas , por comunistas e por democracias liberais no fundo, e a questão como se pode defenderse contra um ataque neste nível é muito importante. No entanto, eu acho que temos que levantar a questão de saber se, exércitos permanentes centralizados, com impedimentos de alta tecnologia, são a forma mais eficaz de fazer isso. E isso é de nenhuma maneira óbvia. Por exemplo, eu não acho que um exército centralizado da Europa Ocidental deteria um ataque russo ou estadunidense para evitar que o socialismo libertário um tipo de ataque que eu francamente espero em algum jeito: talvez não militar, pelo menos econômico.

PERGUNTA : Mas, nem pelo outro lado, teria um monte de camponeses com forcados e pás … 

CHOMSKY: Não estamos falando de camponeses. Estamos falando de uma sociedade industrial altamente sofisticada, altamente urbana. E parece-me, que o seu melhor método de defesa seria o seu apelo político para a classe trabalhadora nos países que faziam parte do ataque. Mas, novamente , eu não quero ser simplista. Ele pode precisar de tanques, ele pode precisar de exércitos. E se isso acontecesse , eu acho que com certeza que isso contribuiria para um possível fracasso ou, pelo menos, declínio da força revolucionária exatamente pelas razões que você mencionou. Ou seja, eu acho que é extremamente difícil imaginar como um exército centralizado eficaz, com implantação de tanques, aviões , armas estratégicas, e assim por diante, poderia funcionar de forma revolucionária. Se isso é o que é necessário para preservar as estruturas revolucionárias, então eu acho que elas não podem muito bem ser preservadas.

PERGUNTA : Se a defesa básica é o apelo político , ou o apelo da organização política e econômica, talvez possamos olhar em detalhe um pouco mais nisso. Você escreveu, em um de seus ensaios, que “em uma sociedade decente, todos teriam a oportunidade de encontrar um trabalho interessante e cada pessoa seria permitido o máximo alcance possível para seus talentos.” E então, você passou a perguntar: “Que mais seria necessário, em particular, a recompensa extrínseca na forma de riqueza e poder se só assumirmos que aplicar seus talentos em um trabalho interessante e socialmente útil não é gratificante em si mesmo?” Eu acho que essa linha de raciocínio é, certamente, uma das coisas que agrada a muita gente. Mas ainda precisa ser explicado, eu acho, porque o tipo de trabalho que as pessoas iriam achar interessante, atraente e que cumpram a fazer teria que coincidir ou chegar perto com o tipo de trabalho que realmente precisa ser feito, se quisermos sustentar qualquer coisa como o padrão de vida que as pessoas exigem e estão acostumados. 

CHOMSKY: Bem, há uma certa quantidade de trabalho que apenas tem de ser feito se quisermos manter esse nível de vida. É uma questão em aberto como oneroso que o trabalho tem que ser. Vamos lembrar que a ciência e a tecnologia e inteligência não têm se dedicado a examinar essa questão ou em superar o caráter oneroso e autodestrutivo do trabalho necessário para sociedade. A razão é que ele sempre foi assumido que existe um corpo substancial de escravos assalariados que irão fazê-lo simplesmente porque senão eles vão morrer de fome. No entanto, se a inteligência humana é voltada para a questão de como fazer o trabalho necessário da própria sociedade significativa, não sabemos qual é a resposta será. Meu palpite é que uma boa quantidade do que pode ser feito é inteiramente tolerável. É um erro pensar que, mesmo trabalho físico extenuante é necessariamente oneroso. Muitas pessoas, inclusive eu, tenho efetuado para o relaxamento. Bem, recentemente, por exemplo, tenho feito isso para plantar trinta e quatro árvores em um prado atrás da casa, na Comissão de Conservação do Estado, o que significa que eu tive que cavar trinta e quatro buracos na areia. Você sabe, para mim, e o que eu faço com meu tempo, principalmente, que é um trabalho muito difícil, mas eu tenho que admitir que gostei. Eu não teria gostado se tivesse normas de trabalho, se eu tivesse um supervisor, e se eu tivesse sido condenado a fazê-lo em um determinado momento, e assim por diante. Por outro lado , se é uma tarefa optativa e apenas por interesse, tudo bem, isso pode ser feito. E isso sem qualquer tecnologia, sem qualquer pensamento dado a forma de conceber o trabalho , e assim por diante.

PERGUNTA: Não há o perigo de que esta visão das coisas seja uma ilusão bastante romântica, concebida apenas para uma pequena elite de pessoas, como professores, talvez jornalistas, e assim por diante, para manter uma situação privilegiada de ser remunerado para fazer o eles gostam de fazer.  

Chomsky: É por isso que começou com um grande “Se”. Eu disse que primeiro tem que perguntar em que medida o trabalho necessário da sociedade a saber o trabalho que é necessário para manter o padrão de vida que queremos tem de ser onerosa ou indesejáveis. Eu acho que a resposta é: muito menos do que é hoje. Mas vamos supor que há alguma medida em que continua a ser oneroso. Bem, nesse caso, a resposta é muito simples: que o trabalho tem de ser igualmente partilhado entre as pessoas capazes de fazê-lo.

PERGUNTA: E todo mundo gasta um certo número de meses do ano trabalhando em uma linha de produção de automóveis e um certo número de meses recolhendo o lixo e … 

Chomsky: Se se verificar que estas são realmente as tarefas que as pessoas vão encontrar nenhuma satisfação. Aliás, eu não acredito muito que isso ajude. Enquanto eu vejo as pessoas que trabalham, artesãos, digamos, em mecânica de automóveis, por exemplo, que muitas vezes encontram uma boa dose de orgulho em trabalhar. Eu acho que esse tipo de orgulho pelo trabalho bem feito, em um complicado trabalho bem feito, porque leva o pensamento e a inteligência para fazer isso, especialmente quando se está também envolvida na gestão da empresa, a determinação de como o trabalho será organizado, o que é a favor, o que os efeitos do trabalho são, o que vai acontecer a ele, e assim por diante Eu vejo que tudo isso pode ser satisfatório e uma gratificante atividade que de fato requer competências, o tipo de habilidades que as pessoas desfrutarão no exercício realizado. No entanto, estou pensando hipoteticamente agora. Suponha que há algum trabalho residual que realmente ninguém queira fazer, seja ele qual for Ok, então eu digo que o trabalho residual deva ser igualmente partilhado e, além disso, as pessoas serão livres para exercer suas talentos como entenderem.

PERGUNTA: Mas, professor, se esses trabalhos residuais forem grandes, como algumas pessoas possam dizer, que signifiquem 90% da produção , mesmo compartilhando esse trabalho com cada um, mas sem uma organização, seria ineficiente. Vemos que mesmo trabalhos residuais precisam de treino e equipamento e isso não seria uma perda na qualidade de vida. 

Chomsky: Bem, para uma coisa, isso é realmente muito hipotético, porque eu não acredito que os números são nada disso. Como digo, parece-me que, se a inteligência humana foram dedicadas a perguntar como a tecnologia pode ser projetado para atender às necessidades do produtor humanos, em vez do contrário isto é, agora perguntamos como o ser humano com suas propriedades especiais podem ser instalados em um sistema tecnológico destinadas para outros fins, nomeadamente, a produção para o lucro o meu sentimento é que se isso fosse feito, poderíamos achar que o trabalho realmente indesejada é muito menor do que você sugere. Mas seja o que for, repare que temos duas alternativas. Uma alternativa é tê-lo em partes iguais, a outra é a concepção das instituições sociais, para que algum grupo de pessoas serão simplesmente obrigados a fazer o trabalho, sob pena de inanição. Essas são as duas alternativas.

PERGUNTA: Não é obrigado a fazê-lo, mas eles poderiam concordar em fazê-lo voluntariamente, porque seriam pagos com um montante que faça valer a pena.

Chomsky: Bem, mas você vê, eu estou supondo que todos essencialmente recebe uma remuneração igual . Não se esqueça que não estamos falando de uma sociedade agora, onde as pessoas que fazem o trabalho pesado são pagos substancialmente mais do que as pessoas que fazem o trabalho que fazem por escolha muito pelo contrário. A forma como a nossa sociedade funciona, a forma como qualquer sociedade de classes funciona, as pessoas que fazem o trabalho indesejados são as que recebem menos. Esse trabalho é feito mas colocado fora de nosso campo de visão, pois é assumido que haverá uma classe enorme de pessoas que controlará apenas um fator da produção, ou seja, seu trabalho, e tem que vendê-lo, e há aqueles trabalhos que deverão ser feitos e alguém o fará. Aceito sua observação. Vamos imaginar três tipos de sociedade: uma, atual, em que o trabalho não desejado é dado aos escravos assalariados. Vamos imaginar um segundo sistema em que o trabalho indesejado, depois de todos os esforços para torná-lo significativo, é compartilhado. E vamos imaginar um terceiro sistema onde o trabalho indesejado recebe alta remuneração extra, para que as pessoas voluntariamente possam optar por fazê-lo. Bem, parece-me que qualquer um dos dois últimos sistemas é consistente com vagamente falando princípios anarquistas .Eu prefiro, por minha escolha, pela segunda em vez do terceira, mas qualquer uma das duas estão distantes a partir de qualquer organização social presente ou qualquer tendência na organização social contemporânea.

PERGUNTA: Deixe-me apresentar de outra forma. Parece-me que há uma escolha fundamental , porém uma disfarçada, entre se você organizar o trabalho para a satisfação que dá às pessoas que o fazem, ou se você organizá-lo em função do valor do que é produzido pela pessoas que estão indo para usar ou consumir o que é produzido. E que uma sociedade que se organiza em função de dar a todos a oportunidade máxima para cumprir os seus hobby, que é essencialmente a visão de trabalho para – trabalho voluntário, encontraremos sua culminação lógica em um mosteiro, onde o tipo de trabalho que é feito, ou seja, a oração, é um trabalho para o auto-enriquecimento do trabalhador e onde nada é produzido, que é de alguma utilidade para alguém e você vive ou em um baixo padrão de vida, ou você realmente corre o risco de morrer de fome.

Chomsky: Bem, existem algumas suposições factuais aqui, e eu discordo com você sobre os pressupostos factuais. Meu sentimento é que parte de quem faz um trabalho significativo é que não tenha uma utilidade significativa, mas que os seus produtos possam ter. O trabalho do artesão é, em parte significativa para que artesão por causa da inteligência e habilidade que ele coloca para ele, mas também, em parte, porque o trabalho é útil, e eu poderia dizer que o mesmo é verdade para os cientistas. Quero dizer, o fato de que o tipo de trabalho que você pode levar a outra coisa que é o que significa na ciência, você sabe pode contribuir para uma outra coisa, que é muito importante para além do requinte e beleza do que você pode alcançar. E eu acho que abrange todos os campos da atividade humana. Além disso, eu acho que se olharmos para uma boa parte da história da humanidade, veremos que pessoas de forma substancial obtenham algum grau de satisfação muitas vezes uma grande quantidade de satisfação a partir do trabalho produtivo e criativo que eles estavam fazendo. E eu acho que as chances são enormemente reforçada pela industrialização. Por quê? Precisamente porque a maior parte do trabalho pesado mais sem sentido pode ser tomado por máquinas , o que significa que as possibilidades de trabalho humano realmente criativo é substancialmente ampliada. Agora, você fala do trabalho realizado livremente como um hobby. Mas eu não acredito nisso. Acho que o trabalho realizado livremente pode ser útil trabalho, em muitos casos também bem feito. Além disso, você representa um dilema que muitas pessoas colocam, entre o desejo de satisfação no trabalho e um desejo de criar coisas de valor para a comunidade. Mas não é tão óbvio que não há dilema, como qualquer contradição. Assim, é de nenhuma maneira clara na verdade, eu acho que é até falsa que algo que contribua para o aprimoramento de prazer e satisfação no trabalho seja inversamente proporcional ao que contribui para o valor final feito.

PERGUNTA: Não inversamente proporcional, mas pode não estar relacionado . Quer dizer, tomar alguma coisa muito simples, como a venda de gelados na praia em um feriado público. É um serviço para a sociedade: sem dúvida, as pessoas querem gelados, está quente. Por outro lado , é difícil ver em que sentido, não há nem alegria de um artesão ou um grande senso de virtude social ou nobreza em realizar essa tarefa. Por que alguém iria executar essa tarefa se não foram recompensados por isso?

CHOMSKY : Devo dizer, eu já vi alguns vendedores de sorvete muito felizes …

PERGUNTA: Com certeza, eles estão fazendo um monte de dinheiro.

CHOMSKY : … que por acaso gosto da ideia de que eles estão dando às crianças gelados, o que me parece uma maneira perfeitamente razoável para gastar o seu tempo, em comparação com milhares de outras ocupações que eu possa imaginar. Lembre-se que uma pessoa tem uma ocupação, e parece-me que a maioria das profissões que existem especialmente os que envolvem o que são chamados de serviços , isto é , as relações com os seres humanos têm uma satisfação intrínseca e recompensas associados a eles , ou seja, nas relações com os seres humanos que estão envolvidos. É verdade no ensino, e é verdade na venda de sorvete. Concordo que a venda de sorvete não exige um compromisso ou a inteligência que o ensino necessita, e talvez por essa razão , seria uma ocupação menos desejada. Mas se assim for, terá que ser compartilhada. No entanto, o que eu estou dizendo é que na nossa suposição a característica que o prazer no trabalho, orgulho no trabalho, é ou não relacionado ou negativamente relacionada com o valor da produção está relacionado a uma fase particular da história social , ou seja, o capitalismo , em que seres humanos são ferramentas de produção. Isso tem um fundo de verdade. Por exemplo, se você olhar para as muitas entrevistas com trabalhadores em linhas de montagem, por exemplo, que tem sido feito por psicólogos industriais, você vê que uma das coisas que se queixam de uma e outra vez é o fato de que o seu trabalho pode simplesmente “ser melhor feito”, o fato de que a linha de montagem passa tão rápido que eles não podem fazer o seu trabalho corretamente. Aconteceu de eu olhar recentemente em um estudo de longevidade , de alguma revista em gerontologia que procurou traçar os fatores que você pode usar para prever a longevidade conhecido, o consumo de cigarros e bebidas, fatores genéticos tudo foi olhado. Descobriu-se, de fato, que o maior fator, o fator de maior sucesso, foi a satisfação no trabalho.

PERGUNTA: As pessoas que têm empregos bons vivem mais tempo.

Chomsky: Pessoas que estão satisfeitas com seus empregos. E eu acredito que faz uma boa dose de bom senso, você sabe, porque é onde você gasta a sua vida , que é onde as suas atividades criativas são. Agora, o que leva à satisfação no trabalho? Bem, eu acho que muitas coisas levam a ele, e os conhecimentos que você está fazendo algo útil para a comunidade é uma parte importante dela. Muitas pessoas que estão satisfeitas com o seu trabalho são as pessoas que sentem que o que eles estão fazendo é importante para fazer. Eles podem ser professores, eles podem ser médicos, que podem ser os cientistas , eles podem ser artesãos, eles podem ser os agricultores. Quer dizer, eu acho que a sensação de que o que se está fazendo é importante, vale a pena fazer, contribui para as pessoas com quem se tem laços sociais, é um fator muito importante em sua satisfação pessoal. E para além de que não é o orgulho e a auto realização que vem de um trabalho bem feito de simplesmente tomar suas habilidades e colocá-los para uso. Agora, eu não vejo por que deveria, de qualquer forma prejudicar, na verdade eu acho que iria melhorar, o valor do que é produzido. Mas vamos ainda que imaginar em algum nível que faz mal. Bom, tudo bem, naquela altura, da sociedade , da comunidade , deve decidir como fazer acordos. Cada indivíduo é ao mesmo tempo um produtor e um consumidor, depois de tudo, e isso significa que cada indivíduo tem de participar desses compromissos socialmente determinadas se de fato existem compromissos. E mais uma vez eu sinto a natureza do compromisso é muito exagerada por causa do prisma de distorção do sistema realmente coercitivo e pessoalmente destrutivo em que vivemos.

PERGUNTA : Tudo bem, você diz que a comunidade tem poder para tomar decisões sobre os compromissos, e, é claro, a teoria comunista prevê isso em toda a sua reflexão sobre o planejamento nacional, as decisões sobre investimento, a direção dos investimentos, e assim por diante. Em uma sociedade anarquista, parece que não está disposto a fornecer para essa quantidade de superestrutura governamental que seria necessário para fazer os planos, a tomar as decisões de investimento, para decidir se dar prioridade ao que as pessoas querem consumir, ou se você dá prioridade ao trabalho as pessoas querem fazer.

CHOMSKY : Eu não concordo com isso. Parece-me que no anarquismo, ou, para que já foi falado, estruturas da esquerda marxista, com base em sistemas de conselhos e federações de trabalhadores, fornecem exatamente um conjunto de níveis de tomada de decisão em que as decisões derivam de um plano nacional. Da mesma forma, as sociedades socialistas estatais também fornecem um nível de tomada de decisão digamos que a nação em que os planos nacionais podem ser produzidos. Não há nenhuma diferença nesse aspecto. A diferença tem a ver com a participação nessas decisões e controle sobre essas decisões. Na visão dos anarquistas e da esquerda marxistas – como entendo os conselhos de trabalhadores ou os comunistas de conselhos essas decisões são feitas pela classe trabalhadora que informa através de suas assembleias e seus representantes diretos, que vivem entre eles e trabalham com eles. Nos sistemas socialistas de Estado, o plano nacional é feito por uma burocracia nacional, que acumula para si toda a informação relevante, toma as decisões e as oferece ao público, dizendo: ” Você pode me escolher ou você pode executar, mas somos todos parte da mesma burocracia.” Estes são o pólos, e pólos opostos dentro da tradição socialista.

PERGUNTA : Então, de fato, não há um papel muito importante para o Estado e, possivelmente, até mesmo para os funcionários públicos e para a burocracia, mas é o controle sobre eles que é diferente.

Chomsky: Bem, veja, eu realmente não acredito que precisamos de uma burocracia específica para os decisões governamentais .

PERGUNTA : Você precisa de vários níveis administrativos.

Chomsky: Oh, sim, mas vamos entender o que diz respeito ao planejamento econômico, porque, certamente, em qualquer sociedade industrial complexa deve haver um grupo de técnicos cuja tarefa é a elaboração de planos, e para expor as consequências das decisões, para explicar a as pessoas que têm de tomar as decisões, pois o que você decidir, é provável que você obtenha tal resultado, porque é isso que o modelo programado refere-se, e assim por diante. Mas o ponto é que esses sistemas de planejamento estão, nas próprias indústrias, e eles terão conselhos de seus trabalhadores e eles vão fazer parte de todo o sistema de conselho mais amplo, e a distinção é que estes sistemas de planejamento não tomam decisões. Eles produzem planos exatamente da mesma forma que as montadoras produzem automóveis. Os planos já estão disponíveis para os conselhos de trabalhadores e para as assembleias do conselho, da mesma forma que os automóveis estão disponíveis para serem montados. Agora, é claro , que isso requer pessoas trabalhadoras sejam informadas e educadas. Mas isso é precisamente realizável nas sociedades industriais avançadas.

PERGUNTA : Em qual medida que o sucesso do socialismo libertário ou anarquismo realmente depende de uma mudança fundamental na natureza do homem, tanto em sua motivação, seu altruísmo, e também em seu conhecimento e sofisticação ?

Chomsky: Eu acho que não dependa apenas dele, mas, de fato, todo o propósito do socialismo libertário é que ele vá contribuir nesse sentido. Contribuirá para uma transformação espiritual precisamente um tipo grande de transformação na forma como os seres humanos concebem a si mesmos e sua capacidade de agir, de decidir, de criar, de produzir, de perguntar precisamente que a transformação espiritual que os pensadores sociais das tradições de esquerda marxista, como Luxemburgo, por exemplo, e também através dos anarcossindicalistas, que sempre enfatizam isso. Assim, de um lado, é necessário uma transformação espiritual. Por outro lado, o seu objectivo é a criação de instituições que contribuam para essa transformação da natureza do trabalho, a natureza da atividade criadora, simplesmente em laços sociais entre as pessoas, e através dessa interação de criação das instituições que permitam novos aspectos da natureza humana que venham a florescer. E, em seguida, a construção de instituições ainda mais libertárias para que esses seres humanos liberados possam contribuir. Este é o desenvolvimento do socialismo como eu o entendo.

PERGUNTA : E finalmente, Professor Chomsky, acredita que há chances de sociedades como descritas aqui possam ocorrer nos principais países industrializados do Ocidente no próximo quarto de século ou algo assim?

Chomsky : Eu não acho que eu sou sábio o bastante nem informado o suficiente, para fazer previsões e eu acho que as previsões sobre tais assuntos mal compreendidos, provavelmente e geralmente refletem mais de nossa personalidade do que algo real. Mas eu acredito muito, pelo menos podemos dizer: há tendências óbvias no capitalismo industrial para a concentração do poder em impérios econômicos estreitos, que são cada vez mais um Estados totalitários. Estas são tendências que vêm acontecendo há muito tempo, e eu não vejo nada que possa pará-los realmente. Eu acredito que essas tendências continuarão. Eles são parte da estagnação e declínio das instituições capitalistas. Agora , parece-me que o desenvolvimento rumo ao totalitarismo do Estado e para a concentração econômica e , é claro, eles estão muito ligados – continuarão estimular a revolta, em esforços de libertação pessoal e esforços organizacionais de libertação social. E isso vai levar a todos os tipos de possibilidade. Ao longo de toda a Europa, de uma forma ou de outra, há uma chamada para coisas do tipo participação dos trabalhadores ou uma cogestão, ou mesmo, por vezes, o controle dos trabalhadores. Ainda assim, a maioria destes esforços são mínimos. Eu penso que eles se enganando na verdade, podem até prejudicar os esforços de libertação da classe de pessoas trabalhadoras. Mas, em parte, estão sensíveis a uma forte intuição e compreensão que a coerção e repressão, seja pelo poder econômico privado ou pela burocracia do Estado, não é de forma alguma uma característica necessária para vida humana. E quanto mais essas concentrações de poder e autoridade continuam, mais veremos repulsa contra elas e mais os esforços para organizar e derrubá-las teremos. Mais cedo ou mais tarde, isso obterá sucesso, eu espero.

Posted in Artigos, Biblioteca, Teoria | Comments Off on A relevância do Anarquismo

Notas contra a PEC 241

0cf33399-a840-405c-840d-a60f92a8e148O governo de Michel Temer é um governo de exceção. Um governo de criado, planejado, para a implementação de reformas difíceis e polêmicas, alegadamente buscando a eficiência do governo. O pano de fundo foi posto em anos de “anti-petismo”, que ganhou força em 2014 e se estabeleceu em 2015. O discurso de irresponsabilidade fiscal caiu como uma luva nos anseios por uma crítica aos projetos de conciliação de classes do governo petista que já durava doze anos. Durante esse período, o estado nacional brasileiro lançou mão de um plano de desenvolvimento apoiado na maior empresa “estatal” do país, a Petrobras, tendo um relativo sucesso por vários anos, se apoiando na alta internacional dos preços das commodities e conseguindo resistir inclusive a grande crise de 2008, que desestabilizou o mundo todo. Mas este projeto atingiu seu limite de gestão do capital nacional.

Nas manifestações de junho de 2013 e 2014, a impopularidade do governo cresceu. A chegada da classe média a elas provou a todos que o ciclo de arrefecimento dos movimentos sociais tinha chegado ao fim. Após um período de luta entre as facções da burguesia e uma eclosão de movimentos liberais e conservadores vindos das manifestações anteriores, chegamos em 2016 a uma conclusão do ato. E para isto, o cenário não podia ser melhor. O apelo popular da luta contra a corrupção garantiu ao judiciário poderes antes inimagináveis, podendo assim passar por cima de quaisquer garantias existentes, tais como presunção de inocência e proporcionalidade penal. A presidente eleita com uma campanha bilionária foi deposta e seu vice assumiu com a tarefa de realizar as reformas que no governo anterior seria impossível. Não que o governo do PT tivesse qualquer resistência moral ao jogo político, mas sim porque o atual governo se conta com condições ótimas para um governo de choque:

 todos-contra-a-aprovacao-da-pec-241_e072802aab3d598dced3544366a1cce9-1
  1. Uma recessão econômica (causada pela quebra do modelo anterior de desenvolvimento, com congelamentos de capitais da Petrobras e outras grandes empresas empreiteiras nacionais);

  1. Um avanço das ideologias neoliberais e conservadoras nas mídias (sociais e tradicionais);

  1. Um apoio das grandes corporações midiáticas;

  1. Uma casa legislativa escolhida majoritariamente entre as camadas mais conservadoras e fascistoides da sociedade;

  1. Um momento de grande insegurança econômica (desemprego alto) e social (criminalidade crescente dentro e fora do país);

  1. Um político inelegível no poder (impedido pela lei de Ficha Limpa), sem quaisquer medos de perdas a sua imagem como político profissional;

É nesse contexto que vai se buscar uma aceleração no processo de expansão da sociedade de mercado para além do que já vinha sendo perpetradas pelo governo do PT durante a destruição do seu projeto de conciliação. Esse avanço se manifesta na forma de diversas reformas, sempre apresentadas com caráter de urgência e de grande radicalidade, de modo que se aproveite ao máximo o tempo disponível no governo de exceção. Ataques às velhas conquistas do movimento trabalhista do século XX, precarização de serviços de caráter público (visando a sua privatização) e a inserção da ideologia da meritocracia e escassez (as próprias bases da ideologia da mercadoria) nas instituições que deveriam representar frentes de resistência da comunidade ao mercado (como o Sistema Único de Saúde e a Educação Pública Universal) são os objetivos de todas essas medidas.

logo-pec241A PEC 241, que tem por finalidade impor limites aos investimentos do governo federal, é um exemplo claro disso. Apoiada pelos grandes empresários, vitoriosos das últimas grandes batalhas da guerra de classes, ela visa limitar por vinte anos a capacidade de aumento dos gastos do governo federal (com algumas exceções, entre elas, é claro, o repasse de verbas para empresas privadas, o chamado “Bolsa Empresário”), limitando assim o dinheiro a ser investido nas já mencionadas frentes de resistência ao mercado, chegando ao ponto de impedir o reajuste do valor do salário-mínimo em estados que desrespeitarem os seus limites. Com essas ações, busca-se não somente o aprofundamento das desigualdades sociais no país, mas também um ataque direto as garantias e seguridades que a população trabalhadora possuía no país. É a intenção desse governo, usar o estado como uma arma de classe para beneficiar um grupo em detrimento do outro. Aumentar a produtividade e gerar empregos, ou seja, aumentar a capacidade produtiva da sociedade sem a necessidade de garantir aos proletários explorados o mínimo a mais que o absolutamente necessário para que eles possam ir até seus postos de trabalho e produzir riquezas. E cada vez mais riquezas para um grupo cada vez menor.

Por vezes, vemos as questões de estado serem retratadas como luta de classes, como se esta se desse exclusivamente dentro das paredes das câmaras legislativas do país, únicos e verdadeiros redutos da atividade política, através daqueles que foram eleitos representantes. É em momentos como esses que a mentira por trás disso se torna evidente.

O governo de exceção ainda tem mais de um ano de mandato. Com a recuperação das estatais e os investimentos estrangeiros, a retomada do crescimento econômico é eminente, ou seja, apoio popular tende a aumentar e as consequências das suas políticas ainda vão demorar a chegar. Não é tempo de águas mornas…
Posted in Artigos, Opinião | Comments Off on Notas contra a PEC 241

Quem roubou o mais-valor? O romance Noir do capital

Esse texto trata-se de um capitulo da obra “Marx, Manual de Instruções”, de Daniel Bensaid e pode ser encontrada na íntegra aqui

das_kapital_by_brunoautran-d5w6rulO capital tem reputação de livro difícil. No entanto, Marx pretendia tê-lo escrito para trabalhadores. A verdade está no meio: o livro não é fácil, mas é decifrável. E deveria seduzir qualquer leitor de romances policiais. Porque é um romance policial, o protótipo do romance noir, escrito na época em que, de Um caso tenebroso de Balzac ao herói de Conan Doyle, passando por Poe, Dickens e Wilkie Collins, o gênero amadureceu, na medida exata em que se desenvolviam as cidades modernas, onde se perde a pista dos culpados e o criminoso se dissipa no anonimato da multidão. É também a época em que a Scotland Yard confia as investigações policiais complexas a inspetores à paisana e a agência Pinkerton desfruta de uma notável prosperidade. Em qualquer enredo bem idealizado, a abordagem do tema é fundamental. A Bíblia começa pelo Verbo, Hegel pelo Ser, Proust pela madeleine. Em um mundo que forma um todo cujas partes são articuladas e solidárias, por onde começar? Marx não para de refletir sobre esse problema, a ponto de modificar catorze vezes seu projeto, entre setembro de 1857 e abril de 1868. O projeto original era dividido em seis livros: 1) O capital; 2) A propriedade rural; 3) O trabalho assalariado; 4) O Estado; 5) O comércio exterior; 6) O mercado mundial. O projeto modificado reduziu se a três: 1) O processo de produção do capital; 2) O processo de circulação do capital; 3) O processo global de produção capitalista (ou a reprodução do conjunto). As questões atinentes à concorrência, ao lucro e ao crédito são agora logicamente analisadas no Livro III, sobre o processo global. Desaparecem a questão do Estado e a do mercado mundial.

Como Millennium, O capital também é uma trilogia. Marx inspira-se na lógica de Hegel. Assim, os três livros seguem de perto os três momentos da natureza em Enciclopédia das ciências filosóficas: o mecanismo (relação de exploração na produção), o quimismo (ciclo das diferentes formas de capital), a física orgânica ou o organismo vivo (reprodução do conjunto). A difícil questão do começo (onde começa uma totalidade?), o ponto de partida para a travessia das aparências enganosas, está por fim resolvida. 

fig-1

No princípio era a mercadoria. Sob sua aparente banalidade, qualquer mesa, qualquer relógio, qualquer prato, como a noz da célebre canção de Charles Trenet[a], contém um mundo de mercadorias. Basta abrir para que saia, como lenços e coelhos do chapéu de um mágico, uma série de categorias que vêm aos pares: valor de uso e valor de troca, trabalho concreto e trabalho abstrato, capital constante e capital variável, capital fixo e capital circulante. Um mundo esquizofrênico, perpetuamente bipartido entre quantidade e qualidade, privado e público, homem e cidadão. A partir da definição inicial de riqueza como uma “enorme acumulação de mercadorias”, Marx tem os trunfos para esclarecer o grande mistério moderno, o grande prodígio do dinheiro que faz dinheiro: no princípio da riqueza estava o crime de extorsão do mais-valor, quer dizer, o roubo do tempo de trabalho forçado não pago do trabalhador! Ao descobrir, aos 22 anos, as condições de exploração, os casebres, as doenças da classe laboriosa inglesa, o jovem Engels já tinha entendido que se tratava simplesmente de um “assassinato”. De um “assassinato idêntico ao perpetrado por um indivíduo, apenas mais dissimulado e mais pérfido”, porque é um “assassinato contra o qual ninguém pode se defender, porque não parece um assassinato, porque não se vê o assassino, porque o assassino é todo mundo e ninguém, a morte da vítima parece natural”[1]. Mas não deixa de ser um assassinato. Para elucidar esse assassinato anônimo, Sherlock-Marx, assistido por Watson-Engels, consagrará a maior parte de sua vida. 

A cena do crime: o processo de produção do capital (Livro I)

Por mais tempo que se permaneça na movimentada praça do mercado, onde se agitam vendedores e clientes, onde se trocam mercadorias e dinheiro, continua intacto o mistério da acumulação da riqueza. Se a troca fosse equitativa, o mercado seria um jogo de soma nula. Cada um receberia a exata contrapartida do que oferecesse. Supondo-se que haja jogadores mais hábeis do que outros, que embolsem mais do que o valor apostado, ainda assim seria um jogo de soma nula, porque alguns perderiam exatamente o que outros ganhariam. Porém, o gigantesco ajuntamento de mercadorias não para de crescer. O capital acumula-se. De onde vem esse crescimento? Insondável mistério. Pelo menos enquanto se fica aturdido pela efervescência do mercado ou, em versão mais contemporânea, pela agitação neurótica dos corretores e operadores da Bolsa. O detetive Marx nos convida a olhar ao redor. A descobrir o que se passa nos bastidores ou, melhor ainda, no subsolo, nos porões onde o mistério se esclarece:

Deixemos, portanto, essa esfera rumorosa, onde tudo se passa à luz do dia, ante os olhos de todos, e acompanhemos os possuidores de dinheiro e de força de trabalho até o terreno oculto da produção, em cuja porta se lê: No admittance except on business [Entrada permitida apenas para tratar de negócios]. […] O segredo da criação do mais-valor tem, enfim, de ser revelado. […] Ao abandonarmos essa esfera da circulação simples ou da troca de mercadorias, de onde o livre-cambista vulgaris [vulgar] extrai noções, conceitos e parâmetros para julgar a sociedade do capital e do trabalho assalariado, já podemos perceber uma certa transformação, ao que parece, na fisionomia de nossas dramatis personae [personagens teatrais]. O antigo possuidor do dinheiro se apresenta agora como capitalista, e o possuidor de força de trabalho, como seu trabalhador. O primeiro, com um ar de  importância, confiante e ávido por negócios; o segundo, tímido e hesitante, como alguém que trouxe sua própria pele ao mercado e, agora, não tem mais nada a esperar além da… despela.[b]

fig-2

Cena extraordinária de descida aos Infernos! Dá para vê-los, esses dois personagens. O homem do dinheiro (hoje, dos euros), satisfeito, arrogante, autoritário, e o trabalhador resignado, humilhado, envergonhado de ter se vendido e do que o espera. Atrás da agitação superficial do mercado fica o curtume, o local do crime: a oficina ou a fábrica onde o trabalhador é espoliado do mais-valor, onde enfim se revela o segredo da acumulação da riqueza. Entre as mercadorias, uma é bem singular: a força de trabalho. Ela tem a fabulosa virtude de criar valor ao ser consumida, de funcionar mais tempo do que o necessário para sua própria reprodução. É dessa capacidade que o homem do dinheiro se apoderou. O trabalhador, que não possui nada para vender exceto sua força de trabalho, não tem escolha. Mas, se aceitou e consentiu em seguir seu comprador, ele não se pertence mais. “O valor de uso da força de trabalho [sua utilidade para o comprador], o próprio trabalho, pertence tão pouco ao seu vendedor quanto o valor de uso do óleo pertence ao comerciante que o vendeu”[c]. Aparentemente equitativo, dando e recebendo – de “ganha-ganha”, como diriam nossos candidatos –, o contrato de compra e venda da força de trabalho revela-se uma trapaça. Uma vez concluído, o trabalhador é reduzido a tempo de trabalho personificado”[d], uma “carcaça de tempo”, segundo Marx, que o empregador tem legalmente o direito de utilizar quanto quiser. A repartição entre o tempo de trabalho necessário à reprodução da força de trabalho do trabalhador e de sua família, e o “sobretrabalho” que lhe é gratuitamente extorquido ou imposto pelo patrão: essa é a aposta inicial da luta de classes. A aposta de uma luta permanente, em que o trabalhador se esforça para aumentar sua parte na divisão entre trabalho necessário e sobretrabalho, entre salário e mais-valor, enquanto o patrão, inversamente, ao intensificar o trabalho, prolongar sua duração e reduzir as necessidades do trabalho, se esforça no sentido oposto. compreende-se agora o disparate da ideia de “preço justo” para uma “jornada normal de trabalho”. Não existe jornada normal nem preço justo. Porque a força de trabalho, à diferença das outras mercadorias, contém em si um “elemento histórico e moral”[e]. Marx entende que as necessidades sociais não são redutíveis

às necessidades básicas de se alimentar e se aquecer. Elas evoluem historicamente. Enriquecem-se, diversificam-se, e seu reconhecimento pela sociedade é o resultado de uma relação de forças. Com insistência, o trabalhador não cansa de lutar para que novas necessidades (culturais, de lazer, qualidade de vida, saúde, educação) se tornem legítimas dentro do tempo de trabalho reconhecido como “socialmente necessário” à reprodução de sua força de trabalho. Em outras palavras, luta para deslocar a seu favor o cursor da divisão e, portanto, reduzir o “tempo de trabalho extra”, o mais-valor usurpado por seu empregador. Inversamente, o empregador sempre se esforça para reduzir as necessidades socialmente reconhecidas do trabalhador e aumentar a taxa de exploração ou de mais-valor, fazendo pressão sobre os salários, exigindo redução de encargos, reclamando isenções fiscais, desviando despesas de saúde e educação para a esfera privada. Tentando prolongar o tempo de trabalho (aumento da duração semanal, adiamento da idade de aposentadoria) ou intensificar o trabalho (aumento do ritmo, “gestão por estresse”, gerenciamento do tempo ocioso etc.), a maior parte das vezes investindo em ambas as frentes. Na primeira, Marx fala de aumento do mais-valor absoluto; na segunda, de aumento do mais-valor relativo.

fig-3

fig-4

Foi cometido um crime original. O mais-valor foi roubado! Se a vítima, o trabalhador, não morreu (mas às vezes morre: acidentes de trabalho, suicídio,depressão, doenças profissionais), ficou mutilado, fisica e psiquicamente. Porque, na manufatura moderna: 

[…] não só os trabalhos parciais específicos são distribuídos entre os diversos indivíduos, como o próprio indivíduo é dividido e  transformado no motor automático de um trabalho parcial […]. As potências intelectuais da produção, ampliando sua escala por um lado, desaparecem por muitos outros lados. O que os trabalhadores parciais perdem concentra-se defronte a eles no capital.[f] 

A consequência é o que Marx já qualifica de “patologia industrial”. Com o aparecimento dos acionistas assalariados, essa patologia atinge a esquizofrenia. Despedaçado, bipartido entre assalariado e acionista, dividido contra si próprio, o trabalhador teria agora interesse, como acionista, em explorar-se e demitir-se, a si próprio, para aumentar a cotação de suas ações!

A lavagem do dinheiro: a circulação do capital (Livro II)

Não basta ter cometido o crime quase perfeito e saqueado a vítima. É ainda preciso tirar proveito, portanto, lavar dinheiro. É o objeto dos dois livros seguintes de O capital, o processo de circulação e o processo global, em que se realiza a transmutação do mais-valor em lucro. O primeiro livro tem como palco o local de produção (fábrica, oficina, escritório); o segundo, o mercado. Seu propósito não é esclarecer o mistério da origem do mais-valor, mas o modo como ele circula até cair nas mãos do homem do dinheiro. O trabalhador não figura mais como explorado produtor de sobretrabalho, mas como vendedor de sua força de trabalho e comprador potencial de bens de consumo. O papel principal do drama agora cabe ao capitalista em ação: financista, empresário, comerciante, que são as sucessivas encarnações do capital. 

fig-5

Durante o processo de circulação, o capital muda continuamente o figurino: entra em cena como dinheiro (D), sai por um lado e volta pelo outro em forma de máquinas e matérias-primas (P) – ou capital constante – e salários – ou capital variável. Daí sai de novo e se reapresenta como produto, mercadorias (M), que por sua vez se metamorfoseiam no ato de venda, para reassumir a forma dinheiro. Com o detalhe de que, ao voltar a essa forma (D’), o dinheiro inicial (D) terá procriado. Ao longo de suas metamorfoses, o capital cresce. Acumula se.

fig-6

No processo de produção (Livro I), o tempo é linear. Analisa-se a luta pela divisão de um segmento, a jornada de trabalho, entre trabalho necessário e sobretrabalho. No processo de circulação (Livro II), o tempo é cíclico. Fala-se das rotações durante as quais o capital percorre o ciclo de suas transformações:

O capital, como valor que se valoriza, não encerra apenas relações de classes, um carácter social determinado que repousa sobre a existência do trabalho como trabalho assalariado. […] O capital é um movimento, um processo cíclico atravessando diversos estágios e que ele próprio implica por seu lado três formas diferentes do processo cíclico. É por isso que o capital só pode ser compreendido como movimento, e não como uma coisa estática, parada.[g]

A circulação estabelece, com efeito, um vínculo social coercitivo entre a produção e a realização do valor. O capital não é uma coisa, mas um movimento perpétuo. Do mesmo modo que o ciclista cai se parar de pedalar, o capital morre se parar de circular.

fig-7

Ora, cada metamorfose, cada ato de compra e venda, é um salto acrobático, porque não existe mais um vínculo necessário entre ambos. Se a mercadoria não tiver comprador, se sobrar no estoque ou nas prateleiras do comerciante, o ciclo se interromperá. O capital correrá risco de parada cardíaca. E, como o detentor do capital monetário ou bancário (D’) na maior parte das vezes se antecipou à venda para investir em novo ciclo, na esperança de novo lucro (D’’ > D’ > D), a crise pode virar uma bola de neve. Para conhecer a parte de trabalho privado que será validada como trabalho social, é preciso, com efeito, esperar o veredicto do mercado. Suponhamos que um marceneiro fabrique uma mesa em dez dias e que seu concorrente tenha descoberto, sem que ele saiba, um meio de fabricar a mesma mesa em um só dia. Quando ambos se apresentarem ao mercado, o primeiro cobrará caro demais. Sua mesa não será vendida. Ele estará condenado à falência. Seu trabalho terá sido pura perda, porque não será validado pelo mercado como trabalho socialmente útil. Para tanto, a mercadoria teria de cumprir seu último salto, de mercadoria a dinheiro, salto de mestre ou salto da morte, conforme tenha sucesso ou fracasse. Mas disso o empresário não pode ter nenhuma garantia antecipada. Essa circulação não é homogênea. No Livro I, o que Marx chama de capital constante (fábricas, máquinas, matérias primas, depósitos) e o que chama de capital variável (consagrado à compra da força de trabalho) intervêm como determinações específicas do capital na esfera de produção. No Livro II, capital fixo (máquinas e locais que não se esgotam durante um ciclo de produção) e capital circulante (matérias-primas e salários) intervêm como determinações específicas na esfera de circulação. O capital circulante é consumido e renovado a cada ciclo, enquanto o capital fixo só é consumido parcialmente e se renova com intermitência. O capital pode “durar muito tempo em forma de dinheiro”, mas não se conserva “na forma perecível de mercadoria”. Por fim, “os ciclos dos capitais individuais se entrelaçam, se pressupõem e se condicionam uns com os outros”[h]. Esse enovelamento constitui o movimento de conjunto do capital. Contém fatores de arritmia, de discordância, que se manifestam nas crises tanto em função da distribuição desproporcional do capital entre o setor de bens de produção e o de bens de consumo quanto em função de solavancos consecutivos à renovação do capital fixo, ou à desconexão entre produção e realização de mais-valor. Como se o receptador não conseguisse mais escoar o produto do roubo de uma quadrilha, que continuasse a assaltar joalherias sem jamais obter qualquer retorno monetário. O livro sobre o processo de circulação destaca, assim, o caráter descontínuo das conexões entre as diversas formas que assume o capital durante as suas metamorfoses. A questão complica-se mais ainda porque o modo de produção capitalista não se restringe ao ciclo percorrido por um capital solitário. É uma produção generalizada de mercadorias. O capital monetário (D) não se contenta em preceder ou suceder as outras formas de aparição (P ou M). Quer estar a seu lado. Logo, a continuidade do processo global depende da descontinuidade e da dessincronização dos ciclos respectivos do capital monetário, industrial e comercial, isto é, que o banqueiro possa fornecer crédito para o industrial investir antes de suas mercadorias serem escoadas pelo comerciante, e que o comerciante consiga empréstimo para renovar seu estoque antes que tenha esgotado o precedente. O Livro II examina, assim, o entrelace, o vaivém constante entre aparição e desaparição dessas três formas de capital, da esfera de circulação à de produção, e vice-versa, até que a mercadoria seja finalmente consumida. Nas três figuras do processo de circulação, “cada momento (dinheiro, D; capital produtivo, P; e mercadoria, M) aparece sucessivamente como ponto de partida, ponto intermediário e retorno ao ponto de partida do ciclo”. Portanto, o processo de produção serve de meio ao processo de circulação e reciprocamente. Mas, na realidade, cada capital industrial está simultaneamente envolvido nos três ciclos. “O ciclo total é a unidade efetiva dessas três formas”, e o capital só pode ser compreendido em seu ciclo global. O Livro II também ressalta a importância do fator tempo: “A rotação do elemento fixo do capital constante, e, consequentemente, a duração necessária dessa rotação, engloba várias rotações dos elementos circulantes”[i]. O valor do capital produtivo é “introduzido de um só golpe” na circulação, mas é retirado “gradualmente”, em frações. 

O acerto da grana: o processo global da produção capitalista (Livro III)

No Livro I, o mais-valor foi roubado. No Livro II, ele passou de mão em mão. No Livro III, chega a hora de dividir o butim, do “acerto”, nas palavras de Michel Audiard e Albert Simonin[j]. Livro da “produção capitalista considerada em sua totalidade”, o Livro III de O capital desperta o entusiasmo de Engels: Esse livro está destinado a revolucionar definitivamente toda a economia política e fará um alvoroço enorme”. Porque “toda a economia política burguesa será demolida” e chega se ao desfecho do enredo. Caminhando do abstrato ao concreto, do ciclo único de um capital imaginário ao movimento global de uma multiplicidade de capitais, do valor ao preço e ao lucro, do esqueleto do capital a seu sangue e sua carne, o retrato falado desse social killer tornou-se cada vez mais preciso. Ele aparece agora como um ser vivo, insaciável, perpetuamente sedento por novos lucros: 

fig-8

No Livro I, analisamos os diversos aspectos que apresenta o processo de produção capitalista em si, como atividade de produção imediata, e fizemos abstração de todos os efeitos secundários. Mas a vida do capital ultrapassa esse processo de produção imediata. No mundo real, o processo de circulação, que é o objeto do Livro II, vem completá-lo […]. No Livro III, trata-se de descobrir e descrever as formas concretas que se originam do movimento do capital como um todo. É sob essas formas concretas que os capitais enfrentam em seu movimento real […]. As formas do capital que vamos expor neste livro o aproximam progressivamente da forma com que ele se manifesta na sociedade, na superfície, pode-se dizer, na ação recíproca dos vários capitais na concorrência e na consciência ordinária dos próprios agentes de produção.[k] Como forma transfigurada do maisvalor, o lucro está no âmago do processo global de produção capitalista. O maisvalor é apenas o lucro em potencial. Precisa realizar-se para se orientar em seguida, seja para o consumo, seja para a acumulação (ou o investimento). Os valores, medidos em tempo de trabalho, transformam-se em preço de produção quando as mercadorias deixam o processo de produção. Esses preços simultaneamente são e não são a mesma coisa que o valor, sua negação e sua plenitude. Igualmente, diz Marx, o lucro tanto é o mais-valor sob outra forma quanto algo distinto do mais-valor:

O lucro, tal como apresentado aqui, é a mesma coisa que mais-valor, mas simplesmente em uma forma mistificada que nasce necessariamente do modo de produção capitalista […]. Como o preço da força de trabalho aparece em um dos polos em forma modificada de salário, o mais-valor aparece no polo oposto sob a forma modificada de lucro. [A forma em que] camuflam e apagam sua origem e o mistério de sua existência. […] Quanto mais seguimos o processo da autoexpansão do capital, mais misteriosas parecem suas relações e menos se revela o segredo de sua organização interna. […] O mais-valor transformado em lucro tornou-se irreconhecível.[l]

O encarregado da lavagem de dinheiro conclui sua missão com sucesso. É esse o jogo de trapaça que fazem os economistas clássicos para explicar os diferentes rendimentos (renda, lucro e salário), dissimulando a origem comum. Para eles, a cada fator de produção corresponde um rendimento naturalmente legítimo e equitativo: ao capital, o lucro; à terra, a renda fundiária; ao trabalho, o salário. “Eis a fórmula trinitária que engloba todos os segredos do processo social de produção.” Capital, terra, trabalho! Ora, o capital “são os meios de produção monopolizados por uma parte da sociedade”, “personificados no capital”. A terra, “massa de matéria rude e bruta”, só produz renda se fecundada por certa quantidade de trabalho. Quanto ao terceiro termo da trindade, o “trabalho”, ele é um “simples fantasma” se considerado abstratamente como “troca de matéria com a natureza”, e não concretamente, historicamente, como atividade de produção em uma relação social de (propriedade) particular.

Da mesma forma que o capital, o trabalho assalariado e a propriedade fundiária são formas sociais historicamente determinadas, uma pelo trabalho, a outra pelo monopólio do globo terrestre, ambas correspondentes ao capital e pertencentes à mesma estrutura econômica da sociedade.[m] 

Os agentes da produção têm uma imagem “falseada” da repartição da riqueza.

Para eles, não são apenas as diversas formas do valor que, sob a forma de renda, vão a diversos atores do processo social de produção; é o próprio valor que vem dessas fontes e serve de substância para essa renda. [n]

Na fórmula trinitária, o capital, a terra e o trabalho aparecem como “três fontes diferentes e autônomas” do interesse (em vez de lucro), da renda fundiária e do salário, seus respectivos e legítimos frutos. Na realidade os três provêm de uma única fonte, o trabalho, o único capaz de produzir mais do que gasta:

Para o capitalista, o capital é uma máquina Para o capitalista, o capital é uma máquina que suga perpetuamente o sobretrabalho; para o proprietário fundiário, a terra é um imã perene que atrai a fração do mais-valor sugada pelo capital; enfim, o trabalho é a condição e o meio renovados em permanência, que permitem obter, sob o nome de salário, uma fração do valor criado pelo trabalho, logo, uma parte do produto social medido por essa fração do valor, isto é, o necessário à vida.[o]

O rateio entre lucro, renda e salário é o resultado de uma distribuição leonina, em que o capital dita sua lei ao trabalho. É ainda o mais-valor que se cinde entre o lucro do empresário (capitalista industrial) e o interesse do banqueiro (capitalista financeiro). A lógica do sistema e a pluralidade dos capitais englobam a possibilidade de que a circulação possa se distanciar da produção e de que o capital bancário possa se autonomizar em relação ao capital industrial. Desse fato pode nascer a ilusão do dinheiro que faz dinheiro, do dinheiro que fecunda a si próprio, sem passar pelo circuito da produção e da circulação. Essa é a ilusão do pequeno poupador ou do acionista que se deleitam com a ideia de um mais-valor de 15% ao ano na Bolsa (diante de um crescimento real inferior a 3%) ou com a ideia de um interesse garantido de mais de 5%, sem se perguntar qual prodígio fará proliferar o dinheiro adormecido. Ele não enxerga o ciclo completo do capital (D-P-M-D’), só o circuito (D-D’).

fig-9

E se o circuito financeiro se entusiasmar, se o círculo D-D’ da circulação financeira girar mais depressa do que o círculo da produção global (D-P- M-D’) e se, além do mais, maravilhados com esse prodígio, acionistas e banqueiros anteciparem os ciclos futuros e acelerarem o movimento, então o sistema se tornará hidrocéfalo, a economia especulativa ou virtual se tornará mais importante do que a economia real. É a famosa bolha, que, como o sapo da fábula, acabará por explodir[p].

Nessas proezas do crédito, o fetichismo do dinheiro atinge seu cume. Surge como um “ser místico”, dotado de poder mágico e miraculoso: “todas as forças sociais produtivas parecem vir do capital e não do trabalho. Parecem jorrar de seu seio”[q]. Isso porque, na esfera da circulação, “as relações em que o valor foi originalmente produzido são totalmente postas nos bastidores”[r]. O processo real de produção, isto é, o conjunto do processo de produção imediata e do processo de circulação, “origina novas estruturas, em que o fio condutor das conexões e relações internas se perde cada vez mais, as relações de produção tornam-se autônomas umas em relação às outras, os elementos de valor ficam estagnados em formas independentes umas das outras”[s]. Desse modo, uma parte do lucro separa-se e parece advir não mais da exploração do trabalho assalariado, mas do trabalho do próprio capitalista. E o interesse do capital parece independer do trabalho assalariado do trabalhador e ter no capital sua origem autônoma. O capital não é um tratado ou manual de economia política, mas uma crítica da “economia política” como disciplina com pretensões científicas que aborda um tema – a economia –, ele próprio separado da totalidade complexa das relações sociais, e fetichizado. O movimento da crítica não tem limite. Se a lógica da obra atravessa falsas evidências para ir do abstrato ao concreto, introduzindo novos determinantes ao longo do percurso, ela tampouco pretende atingir a plenitude da realidade. Marx é claro:

Ao expor a reificação das relações de produção, e como se tornam autônomas em relação aos agentes de produção, não mostramos em detalhe como as interferências do mercado mundial, suas conjunturas, o movimento dos preços no mercado, os períodos de crédito, os ciclos industriais e comerciais, a alternância entre prosperidade e crise aparecem a esses agentes como leis naturais todo-poderosas, expressão de uma dominação fatal, que se manifestam como uma necessidade cega. Não o mostramos porque o movimento real da concorrência situa-se fora do nosso plano e só pretendemos estudar aqui a organização interna do modo capitalista de produção, em sua média ideal. [t]

Em outras palavras, os livros excluídos do projeto inicial, sobre o Estado e o mercado mundial, teriam introduzido novas determinações e levado a uma maior aproximação do “movimento real da concorrência e da complexidade da vida social”.

fig-10

[1] Friedrich Engels, A situação da classe trabalhadora na Inglaterra (trad. B. A. Schumann, São Paulo, Boitempo, 2007), p. 136.

[b] Karl Marx, O capital, Livro I (trad. Rubens Enderle, São Paulo, Boitempo, 2013), p. 250-1. (N. T.)

[c] Ibidem, p. 270. (N. T.)

[d] Ibidem, p. 317. (N. T.)

[e] Ibidem, p. 246. (N. T.)

[f] Ibidem, p. 434-5. (N. T.)

[g] Idem, O capital, Livro II (trad. Reginaldo Sant’Anna, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1980), cap. 4. (N. T.)

[h] Idem. (N. T.)

[i] Ibidem, cap. 8. (N. T.)

[j] Autores franceses de romances policiais. (N. T.)

[k] Karl Marx, O capital, Livro III (São Paulo,Boitempo, no prelo). Aqui em tradução livre.(N. T.)

[l] Idem. (N. T.)

[m] Idem. (N. T.)

[n] Idem. (N. T.)

[o] Idem. (N. T.)

[p] * Alusão à fábula “O sapo que queria ser boi”, de La Fontaine. (N. T.)

[q] Karl Marx, O capital, Livro III, cit. (N. T.)

[r] Idem. (N. T.)

[s] Idem. (N. T.)

[t] Idem. (N. T.)

Posted in Artigos, Biblioteca, Teoria | Comments Off on Quem roubou o mais-valor? O romance Noir do capital

A Mídia e a propaganda política como ferramentas de dominação

O trecho a seguir é um capítulo do livro MÍDIA – Propaganda política e manipulação de Noam Chomsky. Confira a íntegra no link.

midia_propaganda Os Estados Unidos foram os pioneiros na atividade de relações públicas. Como seus líderes diziam, eles estavam comprometidos com o “controle da mente da população”. Eles aprenderam bastante com os êxitos da Comissão Creel e os êxitos na criação do Pânico Vermelho e seus desdobramentos. A atividade de relações públicas teve enorme expansão naquele período. Durante certo tempo, ao longo da década de 1920, ela conseguiu criar uma subordinação quase absoluta da população ao poder do mundo dos negócios. Isso chegou a tal ponto que comitês do Congresso começaram a investigá-la no início da década de 1930. É daí que vem grande parte da informação que temos sobre ela.

As relações públicas representam um vasto campo de atividade. Elas gastam hoje em torno de 1 bilhão de dólares por ano. Durante todo esse tempo, seu compromisso foi controlar a mente da população. Na década de 1930, imensos problemas apareceram novamente, como tinha ocorrido durante a Primeira Guerra Mundial. Havia uma profunda depressão e os trabalhadores tinham aperfeiçoado seu nível de organização. De fato, em 1935, os trabalhadores alcançaram sua principal conquista legislativa, a saber, o direito de organização, com a Lei Wagner. Isso provocou dois problemas sérios. Em primeiro lugar, a democracia não estava funcionando bem. Na verdade, o rebanho desorientado estava alcançando vitórias legislativas, e não era assim que as coisas deveriam ser. O outro problema é que as pessoas estavam tendo a possibilidade de se organizar. É preciso manter as pessoas atomizadas, segregadas e isoladas. Elas não podem se organizar, porque assim elas podem deixar de ser apenas espectadoras da ação. Na verdade, se um grande número de pessoas com recursos limitados conseguisse se juntar para ingressar na arena política, elas poderiam vir a se tornar participantes. E isso, de fato, é ameaçador. Para assegurar que esta seria a última vitória legislativa dos trabalhadores e que ela seria o início do fim desse desvio democrático da organização popular, os empresários deram uma resposta à altura. E funcionou. Aquela foi a última vitória legislativa dos trabalhadores. Daquele momento em diante – embora o número de pessoas sindicalizadas tenha aumentado por certo tempo durante a Segunda Guerra Mundial, depois da guerra começou a declinar -, a capacidade de atuação dos sindicatos começou a declinar verticalmente. Isso não aconteceu por acaso. Estamos falando neste caso da comunidade empresarial, que gasta uma enorme soma de dinheiro, dedicação e reflexão para descobrir como lidar com esses problemas por meio da área de relações públicas e de outras organizações, como a National Association of Manufacturers [Associação Nacional da Indústria], a Business Roundtable [Conferência Empresarial], e assim por diante. Elas começaram a trabalhar imediatamente para tentar descobrir um modo de conter esses desvios democráticos.

O primeiro teste aconteceu um ano depois, em 1937. Estava em curso uma greve importante, a greve da Steel, em Johnstown, no oeste da Pensilvânia. Os empresários tentaram uma nova técnica para quebrar o ânimo dos trabalhadores, que funcionou muito bem. Nada de capangas contratados nem violência contra os operários; essa tática já não vinha funcionando muito bem. Em vez disso, apelaram para os recursos mais sutis e eficazes da propaganda, ü plano era imaginar formas de colocar a população contra os grevistas, apresentando-os como desordeiros, nocivos à população e contrários ao interesse geral. O interesse geral é o “nosso”, o do homem de negócios, do trabalhador, da dona de casa. Todos esses somos “nós”. Nós queremos ficar juntos e partilhar de coisas como harmonia e americanismo, e também trabalhar juntos. Aí vêm esses grevistas malvados e desordeiros, criando confusão, quebrando a harmonia e profanando o americanismo. Precisamos detê-los para que todos possamos viver juntos. Tanto o executivo da empresa como o faxineiro têm os mesmos interesses. Nós todos podemos trabalhar juntos e trabalhar em harmonia pelo americanismo, gostando uns dos outros. Basicamente, era essa a mensagem. Um grande esforço foi feito para apresentá-la. Afinal de contas, estamos falando do mundo dos negócios, que, portanto, controla a mídia e dispõe de amplos recursos. E ela funcionou de maneira extremamente eficaz. Mais tarde ficou conhecida como “a fórmula do Vale Mohawk”, tendo sido aplicada inúmeras vezes para acabar com as greves. Seus métodos eram chamados de “métodos científicos para pôr fim a greves”, e funcionavam muito bem ao mobilizar a comunidade em torno de conceitos insossos e vazios como o americanismo. Quem poderia ser contra isso? Ou harmonia. Quem poderia ser contra isso? Ou, como no caso da Guerra do Golfo: “Apoie nossas tropas.” Quem poderia ser contra isso? Ou o uso de fitas amarelas*. Quem poderia ser contra isso? Nada mais inexpressivo.

ChomskyNa verdade, qual o sentido de alguém lhe perguntar: “Você apoia a população de Iowa?” Você pode responder “Sim, apoio.” ou “Não, não apoio.”? Isso não é pergunta que se faça, não faz o menor sentido. Essa é a questão. O objetivo dos slogans de relações públicas como “Apoie nossas tropas” é que eles não significam nada. Têm o mesmo significado que a pergunta que quer saber se você apoia a população de Iowa. Sim, é claro, havia uma questão polêmica embutida. A questão era: “Você apoia nossa política?” Mas não se deseja que o povo reflita sobre essa questão. Esse é o objetivo principal de uma propaganda bem-feita: criar um slogan do qual ninguém vai discordar e todos vão apoiar. Ninguém sabe o que ele significa porque ele não significa nada. Sua importância decisiva é que ele desvia a atenção de uma questão que, esta sim, significa algo: “Você apoia nossa política?” Sobre ela ninguém quer saber sua opinião. Surge então uma * O costume de am a rra r fitas amarelas nas árvores d ian te das casas como sinal de solidariedade aos compatriotas em perigo teve início durante a crise entre Estados Unidos e Irã, em 1979, quando norte -americanos foram feitos reféns. Espalhou-se por todo o país quando eles foram libertados, em 1981. (N. d o T.) discussão sobre o apoio às tropas? “É claro que eu não deixo de apoiá-las.” E com isso você venceu. É como o americanismo e a harmonia. Estamos todos no mesmo barco, com slogans vazios aos quais de alguma forma vamos nos unir e não vamos deixar que aquelas pessoas perigosas se aproximem e ameacem nossa harmonia com essa conversa de luta de classes, direitos e coisas do gênero. Isso tudo é bastante eficaz. Funciona direitinho até hoje. E, é claro, tudo é muito bem pensado. As pessoas da área de relações públicas não brincam em serviço. São profissionais. Estão tentando incutir os valores corretos. Na verdade, elas têm uma concepção do que deve ser a democracia: um sistema em que a classe especializada é treinada para trabalhar a serviço dos senhores, os donos da sociedade. (J resto da populaçào deve ser privado de qualquer forma de organização, porque organização só causa transtorno. Devem ficar sentados sozinhos em frente à TV absorvendo a mensagem que diz que o único valor na vida é possuir mais bens de consumo ou viver como aquela família de classe média alta a que eles estão assistindo, e cultivar valores apropriados, como harmonia e americanismo. A vida se resume a isso. Você pode pensar, bem lá no fundo, que a vida não pode ser só isso, porém, já que está ali sozinho diante da telinha, você admite: “Devo estar ficando louco”, porque é só aquilo que passam na TV. E como não é permitido nenhum tipo de organização – isso é absolutamente decisivo -, você nunca tem como descobrir se está louco ou não, e simplesmente aceita aquilo, porque parece natural aceitar. Esse é o ideal, portanto. E um grande esforço é feito na tentativa de alcançá-lo. Obviamente, existe um conceito por trás dele. O conceito de democracia é aquele que mencionei. O rebanho desorientado representa um problema. Temos de impedir que saia por aí urrando e pisoteando tudo. Temos de distraí-lo. Ele deve assistir aos jogos de futebol americano, às séries cômicas ou aos filmes violentos. De vez em quando você o convoca a entoar slogans sem sentido como “Apoiem nossas tropas.” Você tem de mantê-lo bem assustado, porque, a menos que esteja suficientemente assustado e amedrontado com todo tipo de demônio interno, externo ou sabe- se lá de onde que virá destruí-lo, ele pode começar a pensar, o que é muito perigoso, porque ele não é preparado para pensar. Portanto, é importante distraí-lo e marginalizá-lo. Esse é um conceito de democracia. Na verdade, voltando ao universo empresarial, a última conquista legal que os trabalhadores obtiveram foi em 1935, com a Lei Wagner. Com a guerra, os sindicatos se enfraqueceram, e, com eles, uma cultura operária extremamente rica que estava associada aos sindicatos. Tudo isso foi destruído. Tornamo-nos uma sociedade comandada pelo mundo dos negócios em uma escala impressionante. Esta é a única sociedade industrial de capitalismo de Estado que não tem nem mesmo o contrato social padrão que encontramos em sociedades similares. Acho que, tirando a África do Sul, somos a única sociedade industrial que não conta com um sistema nacional de saúde. Não existe nenhum compromisso geral nem mesmo com padrões mínimos de sobrevivência para as parcelas da população que não conseguem cumprir aquelas regras e obter as coisas por si próprias, individualmente. Os sindicatos praticamente inexistem. Outras formas de estrutura popular praticamente inexistem. Não existem partidos ou organizações políticas. É um longo caminho até a situação ideal, pelo menos em termos estruturais. A mídia é um monopólio coletivo. Todos têm o mesmo ponto de vista. Os dois partidos são duas facções do partido dos negócios. A maioria da população nem se dá ao trabalho de votar porque isso parece não fazer sentido. Ela encontra-se marginalizada

e devidamente distraída. Pelo menos, o objetivo é esse. A figura de destaque no campo das relações públicas, Edward Bernays, na verdade veio da Comissão Creel. Ele era um de seus membros, aprendeu ali suas lições e passou a desenvolver o que chamou de “engenharia do consenso”, que ele definiu como “a essência da democracia”. As pessoas que são capazes de construir o consenso são aquelas que dispõem dos recursos e do poder para fazê-lo-a comunidade dos negócios e é para elas que você trabalha.

* O costume de amarra r fitas amarelas nas árvores diante das casas como

sinal de solidariedade aos compatriotas em perigo teve início durante a crise entre

Estados Unidos e Irã, em 1979, quando norte-americanos foram feitos reféns.

Espalhou-se por todo o país quando eles foram libertados, em 1981. (N. d o T.)

manipulacao-2-e1426497235513

Posted in Artigos, Biblioteca | Comments Off on A Mídia e a propaganda política como ferramentas de dominação

Aula prática sobre a natureza violenta do trabalho

operariosNa empresa onde trabalho, existe apenas uma secretária, que tem por função atender e realizar chamadas, bem como recepcionar fornecedores e clientes quando eles chegam a empresa. A empresa, que é de pequeno-médio porte, conta também com uma equipe de digitadores profissionais e uma equipe de desenvolvimento de software. Com a recente recessão e problemas financeiros com o maior cliente (uma gigante oligopolista das telecomunicações), todos os setores da empresa estão comprimidos a seu menor tamanho, de modo que de cada um é exigido o máximo de eficiência produtiva. No expediente de hoje, surgiu a necessidade corporativa de baixar as informações de diversas empresas (possíveis clientes) presentes em três sites na internet. Essas informações aparecem em listas paginadas e são diversas, de diversos tipos (números de telefone, nome, endereço etc.). Essas informações são apresentadas em páginas HTML, de modo que seria completamente factível extrair esses dados através de programas de leitura de páginas, conhecidos como “web scrappers”. No entanto, dado o esgotamento no time de desenvolvimento e na equipe de produção, a tarefa de baixar essas informações recaiu sobre a secretária.

A tarefa consistem em copiar e colar dos sites mais de 500.000 linhas de cada um, em um trabalho penoso e repetitivo de CTRL+C CTRL+V no período intermediário entre as tarefas de costume. O preço de obter essas informações em qualquer site de freelancer’s é de no máximo $100,00, no entanto, é mais barato para o dono da empresa, usar a mão de obra “ociosa” da secretária em seus momentos livres, mesmo que essa tarefa possa causar lesões por esforço repetitivo (LER) nela, afinal ele já paga uma parte do plano de saúde dela e o salário dela ao fim do mês vai ser o mesmo.

Você pode estar pensando “Por que ela aceitou fazer isso? Por que ela não processa a empresa por desvio de função?”

Pois bem, a primeira pergunta é simples: Ela precisa do emprego. Essa colega foi promovida de faxineira a recepcionista recentemente e vive em uma cidade de trabalhadores, não que a cidade aonde a empresa fique não seja de trabalhadores, mas a cidade dela é daquelas conhecidas por “cidades-dormitório”, aonde a população vai trabalhar em algum centro e só volta para dormir em casa.

A segunda também é simples: ela precisa do emprego. A “justiça” do trabalho no país é de natureza conciliatória, ou seja, não faz valer direitos, mas sim busca um consenso entre as partes (patrão/empregado). Fora isso, ela está extremamente precarizada devido aos cortes de orçamento aplicados recentemente pelo governo de forma “retaliativa”, em resposta a resistência da instituição em implementar medidas “modernizantes” (parece ironia mas não é, elas são chamadas assim). E, dadas essas duas circunstâncias, os processos se tornam ainda mais demorados e, quando finalizados, são reparativos, ou seja, a empresa paga aquilo que ela deixou de pagar – paga o que já era direito do funcionário, apenas com correções monetárias (inflação), tornando economicamente mais barato simplesmente não pagar.[1]

E com isso, tivemos uma aula prática daquilo que a teoria já nos ensina: empresa é pra dar lucro, não pra fazer pessoas felizes ou “realizadas” com seu trabalho.

Encerro esse breve relato com um singelo poema:

Só lhe resta um olho (o outro ainda escorre lentamente da cavidade ocular), mas entregou-se ao uso. Em volta, os muros sorriem. A televisão vomita na sua cara, provocando-lhe um IMAGE2estranho gemido. A boca, em forma de U, parece um ânus.

Onde quer que ele vá, a mesma cena.

Por toda parte: um carro fala, um hambúrguer grita, belos vestidinhos comentam a respeito da conjuntura geopolítica. E todos dançam.

Durante a semana, ele é desgastado, utilizado, dedado no olho, pisado, chutado no saco, cagado&mijado e, enfim, elogiado pelo patrão.

Mas tem os seus direitos: por exemplo, o de votar, escolhendo entre o ruim e o pior, de tempos em tempos.

Está subjugado ao tripalium. É um trabalhador e, às vezes, até se orgulha disso. Produz tudo que pode ser produzido. Em troca, recebe uns pedaços de papel com os quais tenta imantar os objetos à venda. Não percebe que a mercadoria obedece ao dinheiro, não a ele. Até mesmo a água suja do arroz com feijão que ele come.

O mundo, reduzido a espetáculo mercantil, pulula em bisonhos fetiches antropomórficos. Das vitrines, inconsoláveis, as coisas choram a falta do pedaço de papel moeda – que, se tivemos, já não temos…

As mercadorias não existem para satisfazer as necessidades humanas.

Oh! Sim… Para impedir a satisfação das necessidades, estão convocados fuzis, metralhadoras, tanques e a servidão (mais ou menos voluntária) dos que os manejam.

“E tudo que não se pode fazer, o dinheiro faz para a gente. Pode-se comer, beber, ir ao baile e ao teatro. Ele pode adquirir arte, saber, tesouros históricos, poder político; e pode-se viajar. Mas, apesar de poder fazer tudo isso, o dinheiro só quer criar a si mesmo, e comprar a si mesmo, pois tudo mais a ele se submete.”

(Karl Marx – Manuscritos Econômicos e Filosóficos)

[1] Mais informações sobre a justiça do trabalho no Brasil podem ser encontradas nesse link

Posted in Artigos, Contra o Trabalho | Comments Off on Aula prática sobre a natureza violenta do trabalho