Recuperação é capitulação! – Trechos de “Um Mundo sem dinheiro”

Em resposta às frequentes interpelações do tipo “Stalin matou foi pouco”, comuns principalmente nessa rede que serve de sepulcro à qualquer sinal de bom senso e honestidade intelectual, o Facebook, reproduzo aqui trechos do texto “Um mundo sem dinheiro”, do grupo francês “Os amigos dos quatro milhões de jovens trabalhadores” aonde se ataca mortalmente o antigo capitalismo oriental seguido pela URSS e China.

Aos compas que quiserem ler na íntegra, segue o link para o texto completo.
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Recuperação

Que interesse têm os capitalistas em que lhes chamem comunistas? É uma regra geral que os capitalistas não gostem que lhes chamem capitalistas!

Este nome tem uma origem precisa ligada à revolução russa. Dizer-se comunista é pretender ser dedicado à classe operária em vez de reconhecer que se a explora. É poder dar ao desenvolvimento desumano do sistema um sentido humano: a construção do comunismo. Por toda a parte se içam perante as massas, projectos de uma “nova fronteira” ou de uma “nova sociedade”!

Quando o capital se proclama comunista, quando recupera o pensamento de Marx para o destilar aos intelectuais nas suas universidades ou para embrutecer os operários nas suas fábricas, apenas se limita a imitar um movimento que realmente consegue realizar. O capital não cria nada mas recupera. Alimenta-se da paixão e da iniciativa dos proletários, isto é, alimenta-se do comunismo.

Não podemos perceber grande coisa do comunismo se não tivermos percebido a natureza capitalista dos países de leste. O combate revolucionário não pode poupar o estalinismo, que é um sistema e uma ideologia fundamentalmente anti-comunista. O facto de ter bastiões mesmo no seio da classe operária não nos deve amolecer mas deve-nos, sim, incitar a não fazer compromissos.

Prestámos um serviço notável ao estalinismo ao não o criticarmos enquanto sistema capitalista. Os revolucionários, principalmente os anarquistas, reconheceram-no como comunista na condição de poderem juntar a esse termo o de autoritário. A autoridade, eis o monstro! À laia de explicação vamos pesquisar a personalidade de Karl Marx.

Os trotskistas desenvolveram, a seguir a Trotsky, adversário pouco afortunado de Estaline, interpretações tão complicadas quanto imbecis. Base socialista e superestrutura capitalistas teriam coabitado, pelo menos na U.R.S.S. No caso dos outros países continua-se a debater. De qualquer forma nunca compreenderam nada do comunismo. Não mais do que Trotsky, que via no trabalho obrigatório um princípio comunista. Eles não são revolucionários, mas Trostsky era. Só que nunca passou de um revolucionário burguês nem de um burocrata desgraçado. Deixemos todo esse pequeno mundo ao seu intelectualismo, às suas querelas bizantinas e ao seu ridículo feiticismo da organização.

Os maoístas, esses “místico-estalinistas”, reduzem todo o caso a uma questão de política e de moral. A U.R.S.S. tornou-se social-imperialista e talvez até bem capitalista. Felizmente a China e a Albânia, sob a sensata direcção proletária de Mao, de Enver Hoxa e de Bibi Fricotin não foram contaminadas. O comunismo é o lucro e a política postos ao serviço do povo!

À medida que as ideias comunistas se propagam, incluindo pela U.R.S.S. e pela China, para satisfazer os desejos de um proletariado que se torna revolucionário, essas seitas tornam-se cada vez mais grotescas! Tentam desempenhar, no palco da política, o papel da revolução. Estão na vanguarda, mas na vanguarda do capital. Pois em períodos de revolução todos os fantoches da política tentam dar-se ares revolucionários para não serem derrubados.

Tornou-se uma tradição que a revolução seja combatida em nome da revolução. Os militantes estalinistas ou esquerdistas que se desencaminharam voltarão a juntar-se ao verdadeiro partido comunista.

Algumas pessoas, menos cegas, reconhecem no capitalismo oriental a divisão em classes sociais. Infelizmente pensam também reconhecer nele um modo de produção novo e superior. O que é dar uma importância imerecida a Estaline e seus consortes.

Estado e Propriedade Privada

O ESTADO E O CAPITALISMO

No campo “comunista” o dinheiro continua tranquilamente a circular. A divisão por fronteiras e no interior dessas fronteiras, a divisão da economia em empresas comportam-se às mil maravilhas.

O papel que o Estado desempenha na economia, e que assenta juridicamente na propriedade pública das empresas, explica-se pela natureza do capitalismo.

O Estado e a mercadoria são velhos amigos. Os negociantes querem que a sociedade se unifique, que os ladrões sejam perseguidos e que a moeda esteja garantida. O Estado e a burocracia encontraram, com a circulação de bens e de pessoas, o meio de se afastarem do mundo agrícola.

O Estado moderno, quer seja uma monarquia ou uma república, é o produto da dissociação das estruturas feudais pelo capital. Opõe-se aos interesses particulares enquanto representante do interesse geral. É necessário ao capital pois ajuda a ultrapassar as contradições e as oposições que este não consegue impedir de provocar. A monarquia e a burguesia, apesar dos momentos difíceis – apoiaram-se face ao feudalismo. A unificação política era necessária ao desenvolvimento das empresas comerciais e industriais. A fortuna e a riqueza permitiam o reforço e a autonomia do poder do Estado. Este chegou até a intervir, muitas vezes directamente, para fornecer ou para concentrar o capital necessário a este ou àquele ramo da indústria. Pôs a funcionar o arsenal jurídico necessário ao desenvolvimento de uma mão-de-obra livre. Liquidou velhos costumes e velhos entraves. Quando a burguesia apareceu directamente na cena política já era, há muito tempo, uma força dominante e há muito tempo que o estado monárquico tinha passado a servi-la.

Na Rússia e no Japão, países que foram lançados na cena internacional num estado de sub-industrialização, foi o próprio Estado que provocou e que organizou o desenvolvimento do capitalismo. Fê-lo para preservar as bases do seu próprio poder, para se fornecer de armas modernas. Ao pôr o capital ao seu serviço não fez mais do que se inclinar perante a sua superioridade. A monarquia desenvolveu um processo que iria causar a sua própria destruição. Mas as condições necessárias a este transplante não se reuniam em todo o lado. Se teve êxito no Japão foi porque o Estado já era autónomo e o comércio já se tinha desenvolvido. A China falhou momentaneamente, bem como a maior parte dos outros países pré-capitalistas.

O Estado deve, muitas vezes, intervir para corrigir um capital que gosta de se mostrar caprichoso e que prefere instalar-se ali em vez de se instalar noutro sítio qualquer e os regimes burocráticos limitam-se a acentuar essa tendência a um ponto que ela nunca tinha alcançado anteriormente.

Será que o capitalismo oriental permite um crescimento mais harmonioso ou mais racional do que o capitalismo ocidental? A questão não tem grande sentido. Se apareceu foi graças ao enfraquecimento do capitalismo tradicional. Se este capitalismo tradicional é importado hoje, novamente, para Moscovo ou para Leninegrado isto acontece devido aos defeitos do capitalismo oriental.

Nos sítios onde a burguesia se desenvolve, lentamente, pela economia, a burocracia conquista poder político apoiando-se em forças sociais como o proletariado ou os camponeses. Ela é também fruto da desagregação da sociedade tradicional pelo capitalismo internacional. A burocracia não tinha escolha. Não podia, como pretendia, instaurar o socialismo ou o comunismo. E também não podia restaurar nem fertilizar o capitalismo tradicional. Tudo isto devido aos seus apoios sociais e às suas necessidades em capitais. Encontrou, empiricamente, uma via conforme à sua natureza que lhe permitia acumular capital industrial à custa dos camponeses.

A burocracia é uma força unificadora que permitiu a transferência autoritária de riqueza de um sector a outro da sociedade. Modifica o desenvolvimento espontâneo do capital em benefício dos seus objectivos de poder e de continuidade. Mas o capital não é uma força neutra que possa ser usada num sentido qualquer. A burocracia planifica, domina. Mas planifica e domina o quê? A acumulação do capital. Ela reduz o mercado livre, combate um mercado negro que renasce sem cessar. Isto não é a prova do seu anti- capitalismo mas um sinal de que a base natural do capital está bem viva. O que dizer do jardineiro que, só por ter de arrancar as ervas daninhas, pretende que as plantas que cultiva já não são vegetais?

Os próprios Estados ocidentais foram obrigados a intervir de uma forma cada vez mais directa no jogo das forças económicas. Devem ter uma política social e ocupar-se da planificação. A burocratização não é um fenómeno próprio dos países de Leste. Diz tanto respeito aos Estados democráticos e fascistas como às grandes empresas privadas. É o produto, e o triste remédio, para a atomização crescente da sociedade.

Num sentido é inexacto falar, no que respeita aos países de leste, de capitalismo burocrático ou de capitalismo de Estado. Todos os capitalismos modernos são burocráticos e de Estado.

O Estado, proprietário do conjunto da indústria, não tem no entanto o controle absoluto deste. Poder efectivo e poder jurídico não são a mesma coisa.

Com o capitalismo liberal, o Estado pode, apoiando-se em forças populares, militares ou mesmo burguesas, atacar esta ou aquela grande empresa: ele é o poder. Isto não lhe permite, no entanto, elevar-se para lá das leis económicas. Quer-se insurgir contra o poder dos monopólios mas não se pode regressar às pequenas empresas do passado.

Com o capitalismo oriental, o Estado burocrático, seja qual for a sua sede de controlo, não pode abolir as categorias mercantis nem a concorrência entre as empresas. Enquanto houver empresas diferentes estas farão concorrência ainda que os preços não sejam livres.

Esta falta de unidade não se limita à esfera económica. A própria burocracia é dividida sem cessar pelas lutas entre fracções e pelos conflitos entre indivíduos. À falta de unidade a imagem de unidade deve ser mantida. O inimigo não é o concorrente imediato dentro do Partido mas sim o Anti-Partido.

Aquilo que a burocracia dá, em eficácia, à economia, retira-lha por outro lado. A mentira, a perda do sentido de realidade embebe o corpo social. As lutas ocultas substituem a concorrência aberta.

Capaz de organizar o arranque económico nas condições mais ingratas, a burocracia anda a reboque do avanço tecnológico das sociedades liberais.

 

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