Diálogo retirado do filme “Queimada!” de 1969.
O filme pode ser assistido gratuitamente aqui.
Nesse diálogo, participam os membros da elite branca escravagista da ilha, os fidalgos descendentes de portugueses e o agente britânico Sir William Walker que conspiram para realizar a independência da colônia de Queimada e a abolição da escravatura.
Sir William Walker: Senhores, deixe-me fazer uma pergunta. Minha metáfora poderá parecer um pouco impertinente… mas acredito que é exata.
O que preferem… ou devo dizer, o que acham mais conveniente? Uma esposa ou uma dessas mulatas? – se referindo às mulheres semi-nuas do harém – Não me interpretem mal. Falo estritamente em termos econômicos.
Qual é o custo do produto? O que o produto propicia? O produto, no caso, sendo o amor. Amor puramente físico… já que, obviamente, sentimentos não têm um papel econômico. Praticamente.
Uma esposa precisa de um lar… com comida, roupas, cuidados médicos, etc. É necessário mantê-la a vida toda… mesmo depois que envelhecer e se tornar improdutiva.
E se tiverem o azar de viverem mais do que ela, terão de pagar o enterro. – em meio às risadas, ele continua – Não, não. É verdade. Senhores, sei que parece divertido, mas são os fatos, não são? Por outro lado, com uma prostituta… o assunto é diferente, não é? Não há a necessidade de abrigá-la ou alimentá-la…e certamente nem de vesti-la ou enterrá-la. Graças a Deus!
Ela é sua só quando precisam. Pagam-na somente por esse serviço… e a pagam por hora. O que, senhores, é mais importante… e mais conveniente? Um escravo ou um trabalhador assalariado?
O que acham mais conveniente? O domínio estrangeiro, com suas leis, vetos, impostos… monopólios comerciais, ou a independência? Com seu próprio governo, leis, administração… e a liberdade de comerciar com quem quiserem… sob termos ditados somente pelos preços do mercado internacional.
Teddy Sanchez: Não só pela liberdade de comércio, Sr. Walker. Acredito que, para muitos de nós…há motivos idealistas ainda mais importantes. Somos agora uma nação, uma pequena nação. Nascidos aqui e forjados pela labuta… levou mais de três séculos. Uma nação que se originou de Portugal… mas que não faz mais parte de lá. E que não quer mais ser uma colônia portuguesa.
Sr. Prada: Tudo certíssimo, meu caro Teddy. Todos concordamos quanto aos motivos idealistas. Mas é o exemplo da prostituta… que ainda não me convenceu, Sr. Walker.
O que acontecerá quando o negro não for mais um escravo… e, em vez de trabalhador, quiser ser o patrão?
Sir William Walker: É exatamente o que acontecerá se continuarmos a discutir o caso. Há quatro meses, José Dolores… estava em Sierra Madre com uma dúzia de homens. Agora, há milhares. Espalham-se pelas planícies. Em minha opinião, se não tomarem uma atitude imediata… se não se envolverem nessa revolta… serão aniquilados.
Em vez de se tornarem trabalhadores, seus ex-escravos… não se tornarão seus patrões, Sr. Prada… e sim seus carrascos.
Agora, quais são os meus interesses no assunto? Quem sou eu? É muito simples. Represento Sua Majestade Britânica. Um agente britânico, se preferirem. Mas na verdade, a Inglaterra quer o mesmo que vocês… a liberdade de comércio e, assim, o fim da dominação estrangeira na América Latina. Contudo, o que a Inglaterra não quer… e o que acho que vocês também não… são essas revoluções levadas a conseqüências extremas. Homens como José Dolores e Toussaint L’Ouverture… são talvez necessários para iniciar algo… mas depois disso, se tornam muito perigosos. Como no Haiti.
Sr. Prada: Certamente tem razão quanto a isso.
Sir William Walker: Então, senhores, como vêem… acho que, pelo menos no momento, nossos interesses coincidem… e coincidem também com o progresso e a civilização. E para os que acreditam nisso, é importante.