Você já parou para pensar no seu lugar , no seu papel na sociedade? É comum na nossa vida cotidiana nos sentirmos incompletos, necessitados de mais coisas, mais dinheiro para mais bens para mais bem estar, no entanto dificilmente paramos de pensar na nossa carteira para olhar nos olhos do atendente da lanchonete que nos serve pelas manhãs na ida ao trabalho. Vemos ele como um meio, um trabalhador não um ser humano. Mas pense nisso, quanto será que ele ganha? Aonde será que ele mora? Será que ele se considera bem empregado? Que palavra curiosa essa, empregado… Presume que a força de trabalho de alguém está sendo empregada, usada, posta em ação por outro alguém, alguém alheio as necessidades e desejos de quem é empregado.
E se esse empregado vivesse numa comunidade de empregados, aonde a realidade da vida dele é a competição por empregos melhores, com pagamentos maiores e com condições de trabalho melhores? Pois é justamente nessa condição de empregado que me encontro. No entanto tive a sorte de não estar na posição do atendente da lanchonete, mas sim na posição do comprador. Meu salário, o pagamento que recebo pelo emprego da minha criatividade por outra pessoa, é consideravelmente superior à média de pagamentos que os outros empregados ao meu redor, na minha comunidade, recebem. Numa situação dessas, é fácil adotar a ideologia da meritocracia, afinal se eu consegui, porque eles não poderiam conseguir também? E aí é que mora o perigo. Individualizado, apartado dos meus vizinhos menos sortudos, me torno um aspirante a novas classes mais altas, um bajulador delas que as vê de longe e anseia a sua posição, aceitando trabalhar o dobro do que eles para isso.
E assim a sociedade se divide em inúmeros estamentos com membros que concorrem entre si por posições nos estamentos superiores, uma guerra de todos contra todos que incentiva todo tipo de violência individual, desumanização e conflitos. As pessoas que trabalham comigo não notam o quão sortudas são, não olham nos olhos dos outros empregados que as servem. Nem eu o faço, preciso confessar.
Mas ainda lembro a primeira vez que o fiz. Bastou que eu olhasse para frente e lá estava aquele ser semi-humano, privado de qualquer espontaneidade, um adendo à máquina, sem qualquer perspectivas ou vida própria. Repetia frases decoradas, oferecia produtos tabelados aos quais eu respondia sim ou não em um diálogo mecanizado parecendo dois computadores trocando as informações que lhes programaram pra trocar. Ao notar isso, pensei nas horas em que eu era o adendo da máquina, nas horas que era a minha força que era empregada por outra pessoa para fazer aquilo que eu não queria fazer ou simplesmente não me importava de fazer. Afinal é justo: estou sendo pago. Não é de bom-tom reclamar: sou muito bem pago. Não posso reclamar: existe outra pessoa querendo ser empregada no meu lugar, disposta a trabalhar o dobro que eu trabalho para isso.
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A decadência do trabalho – Raoul Vaneigem