O governo de Michel Temer é um governo de exceção. Um governo de criado, planejado, para a implementação de reformas difíceis e polêmicas, alegadamente buscando a eficiência do governo. O pano de fundo foi posto em anos de “anti-petismo”, que ganhou força em 2014 e se estabeleceu em 2015. O discurso de irresponsabilidade fiscal caiu como uma luva nos anseios por uma crítica aos projetos de conciliação de classes do governo petista que já durava doze anos. Durante esse período, o estado nacional brasileiro lançou mão de um plano de desenvolvimento apoiado na maior empresa “estatal” do país, a Petrobras, tendo um relativo sucesso por vários anos, se apoiando na alta internacional dos preços das commodities e conseguindo resistir inclusive a grande crise de 2008, que desestabilizou o mundo todo. Mas este projeto atingiu seu limite de gestão do capital nacional.
Nas manifestações de junho de 2013 e 2014, a impopularidade do governo cresceu. A chegada da classe média a elas provou a todos que o ciclo de arrefecimento dos movimentos sociais tinha chegado ao fim. Após um período de luta entre as facções da burguesia e uma eclosão de movimentos liberais e conservadores vindos das manifestações anteriores, chegamos em 2016 a uma conclusão do ato. E para isto, o cenário não podia ser melhor. O apelo popular da luta contra a corrupção garantiu ao judiciário poderes antes inimagináveis, podendo assim passar por cima de quaisquer garantias existentes, tais como presunção de inocência e proporcionalidade penal. A presidente eleita com uma campanha bilionária foi deposta e seu vice assumiu com a tarefa de realizar as reformas que no governo anterior seria impossível. Não que o governo do PT tivesse qualquer resistência moral ao jogo político, mas sim porque o atual governo se conta com condições ótimas para um governo de choque:
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Uma recessão econômica (causada pela quebra do modelo anterior de desenvolvimento, com congelamentos de capitais da Petrobras e outras grandes empresas empreiteiras nacionais);
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Um avanço das ideologias neoliberais e conservadoras nas mídias (sociais e tradicionais);
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Um apoio das grandes corporações midiáticas;
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Uma casa legislativa escolhida majoritariamente entre as camadas mais conservadoras e fascistoides da sociedade;
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Um momento de grande insegurança econômica (desemprego alto) e social (criminalidade crescente dentro e fora do país);
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Um político inelegível no poder (impedido pela lei de Ficha Limpa), sem quaisquer medos de perdas a sua imagem como político profissional;
É nesse contexto que vai se buscar uma aceleração no processo de expansão da sociedade de mercado para além do que já vinha sendo perpetradas pelo governo do PT durante a destruição do seu projeto de conciliação. Esse avanço se manifesta na forma de diversas reformas, sempre apresentadas com caráter de urgência e de grande radicalidade, de modo que se aproveite ao máximo o tempo disponível no governo de exceção. Ataques às velhas conquistas do movimento trabalhista do século XX, precarização de serviços de caráter público (visando a sua privatização) e a inserção da ideologia da meritocracia e escassez (as próprias bases da ideologia da mercadoria) nas instituições que deveriam representar frentes de resistência da comunidade ao mercado (como o Sistema Único de Saúde e a Educação Pública Universal) são os objetivos de todas essas medidas.
A PEC 241, que tem por finalidade impor limites aos investimentos do governo federal, é um exemplo claro disso. Apoiada pelos grandes empresários, vitoriosos das últimas grandes batalhas da guerra de classes, ela visa limitar por vinte anos a capacidade de aumento dos gastos do governo federal (com algumas exceções, entre elas, é claro, o repasse de verbas para empresas privadas, o chamado “Bolsa Empresário”), limitando assim o dinheiro a ser investido nas já mencionadas frentes de resistência ao mercado, chegando ao ponto de impedir o reajuste do valor do salário-mínimo em estados que desrespeitarem os seus limites. Com essas ações, busca-se não somente o aprofundamento das desigualdades sociais no país, mas também um ataque direto as garantias e seguridades que a população trabalhadora possuía no país. É a intenção desse governo, usar o estado como uma arma de classe para beneficiar um grupo em detrimento do outro. Aumentar a produtividade e gerar empregos, ou seja, aumentar a capacidade produtiva da sociedade sem a necessidade de garantir aos proletários explorados o mínimo a mais que o absolutamente necessário para que eles possam ir até seus postos de trabalho e produzir riquezas. E cada vez mais riquezas para um grupo cada vez menor.
Por vezes, vemos as questões de estado serem retratadas como luta de classes, como se esta se desse exclusivamente dentro das paredes das câmaras legislativas do país, únicos e verdadeiros redutos da atividade política, através daqueles que foram eleitos representantes. É em momentos como esses que a mentira por trás disso se torna evidente.