Se você acredita nos arautos da direita, você pode acreditar também que desigualdade é apenas um produto da inveja e da ignorância econômica. De fato, se alguém tem mais riqueza que eu não me deixa em piores condições. E economia não é um bolo único, aonde você pega o pedaço maior as custas de eu ficar com um bolo menor. Economia é crescente, dinâmica e com um grande potencial de melhorar as condições de todos.
No entanto negar esses argumentos ruins contra a desigualdade não faz com que os arautos da direita estejam certos. Os problemas reais com a desigualdade estão ligados diretamente a sua fonte e as suas consequências.
Muita riqueza deriva da injustiça. Nos primeiros anos dos Estados Unidos, a coroa Inglesa e mais tarde o governo revolucionário se apropriou de terras desocupadas, negando as pessoas o justo direito a ocupação, ou roubou terras aonde viviam os nativos ameríndios, e as dividiram entre políticos e capitalistas. Legisladores tomaram ainda mais terra sob decreto para a construção de estradas de ferro, arbitrariamente se apropriando das terras adjacentes a essas estradas, que mais tarde viriam a ganhar um grande valor comercial, e as entregaram aos corporativistas. Atualmente, as cidades tomam terra através do princípio de domínio eminente – um resquício da monarquia, aonde tudo pertencia, em última instancia, ao rei – e as transferem a preço de banana para capitalistas (como Donald Trump).
[N.T.] A história do Brasil também é recheada dessas intervenções governamentais em favor dos seus nobres e comerciantes favoritos. As capitanias hereditárias e a escravização e exploração da população originária são grandes exemplos disso.
Já é bem ruim quando desigualdade vem de roubo. Privilégios tornam o problema ainda pior.
Em uma economia sem qualquer tipo de privilégio – uma economia libertária – você obteria sucesso servindo às pessoas, fornecendo a elas o que elas precisam. Defensores do status quo geralmente apelam ao fato de que os bem sucedidos na economia de mercado atual se apoiaram justamente nesses princípios para conquistarem a sua fortuna. Inclusive aqueles que se serviram de bens roubados são elevados à categoria de “servidores do povo”: se não o fossem, perderiam seu império aos competidores.
No entanto, a economia é hoje cravejada de privilégios. Barreiras comerciais, subsídios e financiamentos públicos de corporações com boas conexões políticas – tudo isso as custas do consumidor à quem os capitalistas alegam servir. Licenciamento de profissões ajudam a manter verdadeiros cartéis, possibilitando assim que os membros possam cobrar muito mais pelos seus serviços do que poderiam cobrar sem essas regulações – especialmente no caso de serviços vitais como tratamento médico. Propriedade intelectual, criada e mantida pelos governos, concede à uns poucos o direito de dizer aos outros o que podem fazer com as suas posses reais, físicas, enquanto concentra riqueza e meios de produção em umas poucas mãos e restringe o acesso à informação. Licitações públicas são verdadeiros enxames de lucros estratosféricos sem explicação. Grandes bancos e corporações, como a General Motors, são constantemente protegidas de suas “decisões ruins de negócios” com dinheiro público.
E vai muito além disso: Privilégios empobrecem as pessoas. Os códigos de construção que direcionam negócios para as grandes construtoras, capazes de trabalhar dentro das brechas legais e cumprir com toda a burocracia necessária, por exemplo, muitas vezes impedindo até mesmo que as pessoas construam suas próprias casas. O resultado é que muitos são obrigados a alugar a moradias em condomínios de grandes empresas ou até mesmo, em casos extremos, obrigados a viver sem teto. As mesmas regras de uso de terras que protegem o valor atual das terras dos proprietários, também impede outras pessoas de encontrar moradia em condições melhores. As mesmas regras de licenciamento profissional que cartelizam a economia, impedem serviços melhores e mais baratos aos que necessitam deles.
O problema da desigualdade no mundo real não são as diferenças numéricas em ganhos e perdas em partes de um mesmo bolo fixo de riquezas. No mundo real, os problemas que deixas incomodam todos aqueles preocupados com a injustiça social – seja na direita ou na esquerda – estão baseados em roubo, privilégio e no capitalismo corporativo.
Devemos atacar esses problemas e vencer a pobreza estrutural que aflige a sociedade como um todo, sem precisarmos recorrer a falácias econômicas ou políticas de inveja. A solução é retificar os roubos do passado sempre que possível – tomando os ganhos injustos dos beneficiários desse roubo. Devemos acabar com os privilégios que empobrecem a tantos enquanto concentram riquezas nas mãos de uns poucos. E devemos acabar com o poder do governo de criar e legitimar esses privilégios, financiados por capitalistas para manter a desigualdade injusta.
Remediar a violência, acabar com o privilégio e com a habilidade do governo de desequilibrar a sociedade e a economia trará um fim ao real problema da desigualdade
Texto de Gary Chartier postado em C4SS