O trecho a seguir é um capítulo do livro MÍDIA – Propaganda política e manipulação de Noam Chomsky. Confira a íntegra no link.
Os Estados Unidos foram os pioneiros na atividade de relações públicas. Como seus líderes diziam, eles estavam comprometidos com o “controle da mente da população”. Eles aprenderam bastante com os êxitos da Comissão Creel e os êxitos na criação do Pânico Vermelho e seus desdobramentos. A atividade de relações públicas teve enorme expansão naquele período. Durante certo tempo, ao longo da década de 1920, ela conseguiu criar uma subordinação quase absoluta da população ao poder do mundo dos negócios. Isso chegou a tal ponto que comitês do Congresso começaram a investigá-la no início da década de 1930. É daí que vem grande parte da informação que temos sobre ela.
As relações públicas representam um vasto campo de atividade. Elas gastam hoje em torno de 1 bilhão de dólares por ano. Durante todo esse tempo, seu compromisso foi controlar a mente da população. Na década de 1930, imensos problemas apareceram novamente, como tinha ocorrido durante a Primeira Guerra Mundial. Havia uma profunda depressão e os trabalhadores tinham aperfeiçoado seu nível de organização. De fato, em 1935, os trabalhadores alcançaram sua principal conquista legislativa, a saber, o direito de organização, com a Lei Wagner. Isso provocou dois problemas sérios. Em primeiro lugar, a democracia não estava funcionando bem. Na verdade, o rebanho desorientado estava alcançando vitórias legislativas, e não era assim que as coisas deveriam ser. O outro problema é que as pessoas estavam tendo a possibilidade de se organizar. É preciso manter as pessoas atomizadas, segregadas e isoladas. Elas não podem se organizar, porque assim elas podem deixar de ser apenas espectadoras da ação. Na verdade, se um grande número de pessoas com recursos limitados conseguisse se juntar para ingressar na arena política, elas poderiam vir a se tornar participantes. E isso, de fato, é ameaçador. Para assegurar que esta seria a última vitória legislativa dos trabalhadores e que ela seria o início do fim desse desvio democrático da organização popular, os empresários deram uma resposta à altura. E funcionou. Aquela foi a última vitória legislativa dos trabalhadores. Daquele momento em diante – embora o número de pessoas sindicalizadas tenha aumentado por certo tempo durante a Segunda Guerra Mundial, depois da guerra começou a declinar -, a capacidade de atuação dos sindicatos começou a declinar verticalmente. Isso não aconteceu por acaso. Estamos falando neste caso da comunidade empresarial, que gasta uma enorme soma de dinheiro, dedicação e reflexão para descobrir como lidar com esses problemas por meio da área de relações públicas e de outras organizações, como a National Association of Manufacturers [Associação Nacional da Indústria], a Business Roundtable [Conferência Empresarial], e assim por diante. Elas começaram a trabalhar imediatamente para tentar descobrir um modo de conter esses desvios democráticos.
O primeiro teste aconteceu um ano depois, em 1937. Estava em curso uma greve importante, a greve da Steel, em Johnstown, no oeste da Pensilvânia. Os empresários tentaram uma nova técnica para quebrar o ânimo dos trabalhadores, que funcionou muito bem. Nada de capangas contratados nem violência contra os operários; essa tática já não vinha funcionando muito bem. Em vez disso, apelaram para os recursos mais sutis e eficazes da propaganda, ü plano era imaginar formas de colocar a população contra os grevistas, apresentando-os como desordeiros, nocivos à população e contrários ao interesse geral. O interesse geral é o “nosso”, o do homem de negócios, do trabalhador, da dona de casa. Todos esses somos “nós”. Nós queremos ficar juntos e partilhar de coisas como harmonia e americanismo, e também trabalhar juntos. Aí vêm esses grevistas malvados e desordeiros, criando confusão, quebrando a harmonia e profanando o americanismo. Precisamos detê-los para que todos possamos viver juntos. Tanto o executivo da empresa como o faxineiro têm os mesmos interesses. Nós todos podemos trabalhar juntos e trabalhar em harmonia pelo americanismo, gostando uns dos outros. Basicamente, era essa a mensagem. Um grande esforço foi feito para apresentá-la. Afinal de contas, estamos falando do mundo dos negócios, que, portanto, controla a mídia e dispõe de amplos recursos. E ela funcionou de maneira extremamente eficaz. Mais tarde ficou conhecida como “a fórmula do Vale Mohawk”, tendo sido aplicada inúmeras vezes para acabar com as greves. Seus métodos eram chamados de “métodos científicos para pôr fim a greves”, e funcionavam muito bem ao mobilizar a comunidade em torno de conceitos insossos e vazios como o americanismo. Quem poderia ser contra isso? Ou harmonia. Quem poderia ser contra isso? Ou, como no caso da Guerra do Golfo: “Apoie nossas tropas.” Quem poderia ser contra isso? Ou o uso de fitas amarelas*. Quem poderia ser contra isso? Nada mais inexpressivo.
Na verdade, qual o sentido de alguém lhe perguntar: “Você apoia a população de Iowa?” Você pode responder “Sim, apoio.” ou “Não, não apoio.”? Isso não é pergunta que se faça, não faz o menor sentido. Essa é a questão. O objetivo dos slogans de relações públicas como “Apoie nossas tropas” é que eles não significam nada. Têm o mesmo significado que a pergunta que quer saber se você apoia a população de Iowa. Sim, é claro, havia uma questão polêmica embutida. A questão era: “Você apoia nossa política?” Mas não se deseja que o povo reflita sobre essa questão. Esse é o objetivo principal de uma propaganda bem-feita: criar um slogan do qual ninguém vai discordar e todos vão apoiar. Ninguém sabe o que ele significa porque ele não significa nada. Sua importância decisiva é que ele desvia a atenção de uma questão que, esta sim, significa algo: “Você apoia nossa política?” Sobre ela ninguém quer saber sua opinião. Surge então uma * O costume de am a rra r fitas amarelas nas árvores d ian te das casas como sinal de solidariedade aos compatriotas em perigo teve início durante a crise entre Estados Unidos e Irã, em 1979, quando norte -americanos foram feitos reféns. Espalhou-se por todo o país quando eles foram libertados, em 1981. (N. d o T.) discussão sobre o apoio às tropas? “É claro que eu não deixo de apoiá-las.” E com isso você venceu. É como o americanismo e a harmonia. Estamos todos no mesmo barco, com slogans vazios aos quais de alguma forma vamos nos unir e não vamos deixar que aquelas pessoas perigosas se aproximem e ameacem nossa harmonia com essa conversa de luta de classes, direitos e coisas do gênero. Isso tudo é bastante eficaz. Funciona direitinho até hoje. E, é claro, tudo é muito bem pensado. As pessoas da área de relações públicas não brincam em serviço. São profissionais. Estão tentando incutir os valores corretos. Na verdade, elas têm uma concepção do que deve ser a democracia: um sistema em que a classe especializada é treinada para trabalhar a serviço dos senhores, os donos da sociedade. (J resto da populaçào deve ser privado de qualquer forma de organização, porque organização só causa transtorno. Devem ficar sentados sozinhos em frente à TV absorvendo a mensagem que diz que o único valor na vida é possuir mais bens de consumo ou viver como aquela família de classe média alta a que eles estão assistindo, e cultivar valores apropriados, como harmonia e americanismo. A vida se resume a isso. Você pode pensar, bem lá no fundo, que a vida não pode ser só isso, porém, já que está ali sozinho diante da telinha, você admite: “Devo estar ficando louco”, porque é só aquilo que passam na TV. E como não é permitido nenhum tipo de organização – isso é absolutamente decisivo -, você nunca tem como descobrir se está louco ou não, e simplesmente aceita aquilo, porque parece natural aceitar. Esse é o ideal, portanto. E um grande esforço é feito na tentativa de alcançá-lo. Obviamente, existe um conceito por trás dele. O conceito de democracia é aquele que mencionei. O rebanho desorientado representa um problema. Temos de impedir que saia por aí urrando e pisoteando tudo. Temos de distraí-lo. Ele deve assistir aos jogos de futebol americano, às séries cômicas ou aos filmes violentos. De vez em quando você o convoca a entoar slogans sem sentido como “Apoiem nossas tropas.” Você tem de mantê-lo bem assustado, porque, a menos que esteja suficientemente assustado e amedrontado com todo tipo de demônio interno, externo ou sabe- se lá de onde que virá destruí-lo, ele pode começar a pensar, o que é muito perigoso, porque ele não é preparado para pensar. Portanto, é importante distraí-lo e marginalizá-lo. Esse é um conceito de democracia. Na verdade, voltando ao universo empresarial, a última conquista legal que os trabalhadores obtiveram foi em 1935, com a Lei Wagner. Com a guerra, os sindicatos se enfraqueceram, e, com eles, uma cultura operária extremamente rica que estava associada aos sindicatos. Tudo isso foi destruído. Tornamo-nos uma sociedade comandada pelo mundo dos negócios em uma escala impressionante. Esta é a única sociedade industrial de capitalismo de Estado que não tem nem mesmo o contrato social padrão que encontramos em sociedades similares. Acho que, tirando a África do Sul, somos a única sociedade industrial que não conta com um sistema nacional de saúde. Não existe nenhum compromisso geral nem mesmo com padrões mínimos de sobrevivência para as parcelas da população que não conseguem cumprir aquelas regras e obter as coisas por si próprias, individualmente. Os sindicatos praticamente inexistem. Outras formas de estrutura popular praticamente inexistem. Não existem partidos ou organizações políticas. É um longo caminho até a situação ideal, pelo menos em termos estruturais. A mídia é um monopólio coletivo. Todos têm o mesmo ponto de vista. Os dois partidos são duas facções do partido dos negócios. A maioria da população nem se dá ao trabalho de votar porque isso parece não fazer sentido. Ela encontra-se marginalizada
e devidamente distraída. Pelo menos, o objetivo é esse. A figura de destaque no campo das relações públicas, Edward Bernays, na verdade veio da Comissão Creel. Ele era um de seus membros, aprendeu ali suas lições e passou a desenvolver o que chamou de “engenharia do consenso”, que ele definiu como “a essência da democracia”. As pessoas que são capazes de construir o consenso são aquelas que dispõem dos recursos e do poder para fazê-lo-a comunidade dos negócios e é para elas que você trabalha.
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* O costume de amarra r fitas amarelas nas árvores diante das casas como
sinal de solidariedade aos compatriotas em perigo teve início durante a crise entre
Estados Unidos e Irã, em 1979, quando norte-americanos foram feitos reféns.
Espalhou-se por todo o país quando eles foram libertados, em 1981. (N. d o T.)