Por muito tempo se acreditou que a rainha desempenhava um papel central na complexa ordem social de uma colônia de formigas, através do exercício do comando direito e do controle sobre suas súditas. Não é assim. O biólogo Pierre-Paul Grassé cunhou o termo “estigmergia” para a organização social do formigueiro. Não há nenhuma coordenação central, nenhuma hierarquia, nenhum mecanismo administrativo. O comportamento de cada formiga é inteiramente espontâneo e autodirigido, conforme ela responde de forma independente aos marcadores químicos de trilha deixados por outras formigas.
Mark Elliot, cuja dissertação de doutorado é provavelmente o melhor estudo sobre o assunto até hoje, aplicou o termo “estigmergia” a qualquer forma de socialização humana na qual a coordenação é alcançada, não pela negociação, administração ou consenso sociais, mas inteiramente pela ação individual independente contra o pano de fundo de um meio social comum.
Essa é essencialmente a forma organizacional usada pela comunidade desenvolvedora do Linux, por movimentos de resistência em rede como a rede global de apoio aos zapatistas dos anos 90 e pelo movimento anti-globalização pós-Seattle. É a maneira como a Wikipédia e a Al-Qaeda são organizadas.
Eric Raymond, escrevendo sobre a comunidade de software open source, a chamou de o modelo “Bazar”. Sob o modelo Bazar, cada contribuição individual é modular. Todo participante é auto-selecionado e sua ação é baseada inteiramente em seu julgamento independente do que precisa ser feito. Assim, todas as ações não são o resultado de consenso ou do consentimento da maioria, mas do consentimento unânime de todas que participam. Aqueles com o nível mais alto de interesse em um aspecto particular de um problema e com a mais alta afinidade para encontrar uma solução funcional contribuem com essa parte do projeto.
Em movimentos em rede, qualquer contribuição ou inovação desse tipo em uma única célula só será adotada por aquelas que a acharem valiosa. Aquelas que são consideradas valiosas instantaneamente se tornam propriedade de toda a rede, livres para a adoção por todos. Assim, os indivíduos auto-selecionados mais interessados em resolver problemas estão espontaneamente desenvolvendo soluções inovadoras por toda a rede e aquelas soluções que funcionam imediatamente ficam disponíveis para adoção por cada célula decidindo apenas por si mesma.
Como Cory Doctorow aponta, as gravadoras desenvolveram seu DRM na crença errônea de que ele só tinha que ser forte o suficiente para parar o usuário médio e que o pequeno número de geeks capazes de quebrá-lo seria economicamente insignificante. Mas, na verdade, só é necessário um geek para quebrar o DRM e postar um MP3 em um site de download por torrent e ele fica livremente disponível para os usuários médios. Em uma organização estigmérgica, a inteligência de cada uma se torna propriedade de todos, virtualmente sem quaisquer custos de transação.
Em contraste com uma organização administrada hierarquicamente, em que as inovações propostas devem ser avaliadas e deliberadas – gestadas – por uma autoridade central ao longo de um período de muitos meses, uma rede estigmérgica atravessa mudanças geracionais na práxis com a velocidade de uma levedura replicante.
Isso é exatamente o que aconteceu com os movimentos sociais do último ano e meio – o arco desde a liberação de telegramas da Wikileaks no verão de 2010 até os últimos desenvolvimentos no Occupy Oakland. Chelsea Manning, uma heroica soldada moralmente estarrecida pelas atrocidades cometidas pelas forças dos EUA no Iraque, alegadamente tomou para si e liberou centenas de milhares de telegramas diplomáticos sigilosos para o Wikileaks. O Wikileaks decidiu postá-los na Internet.
Em face das tentativas de fechar o Wikileaks confiscando seu nome de domínio ou cortando vetores de financiamento como PayPal, o mecanismo de inovação estigmérgico entrou em alta velocidade. Milhares de sites de que espelhavam o conteúdo do Wikileaks apareceram. Outros milhares websites e blogs postaram os endereços IP para os sites do Wikileaks. E hackers como Rick Falkvinge do The Pirate Bay imediatamente começaram a pensar um serviço aberto para registrar domínios, e sistemas digitais abertos de pagamento.
Os telegramas do Wikileaks incluíam avaliações diplomáticas privadas do nível de corrupção no governo tunisiano, que rapidamente circularam no Facebook entre a comunidade dissidente. Mohamed Bouazizi, um pobre vendedor de vegetais na Tunísia, ateou fogo a si mesmo em protesto após ser estapeado na cara por um oficial do governo, iniciando uma revolução que derrubou diversos governos árabes e, desde então, se espalhou de Londres e Amsterdã para a Espanha, para a Grécia e Israel, para a Madison e Wall Street – e daí novamente de Wall Street para centenas de cidades ao redor do mundo.
A tentativa do Egito de destruir a revolução desligando a Internet induziu projetos como a ContactCon a um novo sentido de urgência em desenvolver uma “NextNet”, um rede mesh aberta global que não possa ser desligada porque os únicos nós de roteamento são o próprio hardware das usuárias nas pontas.
O próprio movimento Occupy opera estigmergicamente, com inovações desenvolvidas por um nó se tornando parte do conjunto de ferramentas comum do movimento total. Alguns manifestantes em Oakland fizeram o primeiro experimento em ocupar um prédio comercial vazio e encorajar os sem-teto a ocupar construções vazias e condenadas em toda a cidade. Elas fizeram isso de uma maneira desajeitada e imprudente, infelizmente, provocando uma cruel repressão da polícia.
Mas a ideia básica permanece e alguém logo o fará melhor – porque esta é a maneira em que a estigmergia trabalha. Por toda a América, ainda existem prédios comerciais vazios e casas de propriedade de bancos e milhões de pessoas sem teto que precisam de um lugar para dormir. Não existe polícia e vice-xerifes suficientes no mundo para impedi-los de se mudarem, se eles colocarem em suas cabeças que podem se mudar.
Além disso, os sem-teto não têm nada a perder – se forem expulsos, eles estiveram abrigados pelo período que a ocupação durou. E cada despejo se torna outro ponto de falha para o sistema, a ser divulgado com vídeos de celulares e cobertura streaming na Internet. Cada casa se torna o local de outra posição defensiva, outro pesadelo de relações públicas para as “autoridades” locais arrastando famílias para fora de seus lares diante dos olhos do mundo. O movimento de Minneapolis já se interpôs em defesa da proprietária removida Monique White.
É apenas uma questão de tempo até que os movimentos Occupy locais se tornem centros de inovação, não apenas em táticas de protesto, mas em novas formas de organização social nas comunidades em que vivem. Em comunidades por todo o país, as pessoas perceberão que são vizinhas que vivem na mesma cidade ou município – não há qualquer razão pela sua cooperação tenha que estar limitada ao parque ou praça da cidade.
O Occupy se tornará não apenas um movimento de protesto, mas uma escola para a vida: Sistemas locais de moeda e escambo para a troca de habilidades por parte de pessoas desempregadas, técnicas informais e caseiras de pequena escala para trabalhadores desempregados que precisam prover tantas de suas necessidades quanto possível através do auto-provisionamento, técnicas horticulturais intensivas como a permacultura – as possibilidades são infinitas.
O Occupy Wall Street recentemente se tornou uma aula pública, com Michel Bauwens da Foundation for P2P Alternatives falando no Zuccoti Park sobre peer-production como um mecanismo para criação de valor e Juliet Schor discutindo ideais econômicos descentralistas e DIY em seu livroPlenitude. Uma personagem em Woman on the Edge of Time de Marge Piercy diz que o novo mundo, a revolução, não foi construído com slogans e grandes reuniões. Ele foi construído por pessoas que encontraram novas maneiras de se alimentarem, novas maneiras de ensinarem suas crianças, novas maneiras de se relacionaram umas com as outras.
Assim, em todo o mundo, estamos descobrindo maneiras de viver sem a terra e o capital das classes que pensam que são donas do planeta, maneiras de tornar sua terra e capital inúteis para elas sem ninguém para trabalharem-na para elas. E elas não podem nos parar, porque não temos nenhum líder.
Nas palavras de Neo, em “The Matrix”:
Eu sei que vocês estão com medo […] vocês tem medo de nós. Vocês tem medo da mudança. […] Eu não vim aqui para lhes dizer como isso vai acabar. Eu vim aqui lhes dizer como vai começar. […] Eu vou mostrar a essas pessoas o que você não quer que elas vejam. Eu vou mostrar a elas um mundo sem vocês. Um mundo sem regras e controles, sem fronteiras ou limites. Um mundo em que qualquer coisa é possível.
Ou mais sucintamente, como Anonymous coloca: Nos espere.