Em praticamente qualquer debate na internet relativo a políticas públicas, alguém que se posicione com programas de esquerda se deparará com respostas como “Mises refutou Marx” e “como o socialismo resolve o problema do cálculo econômico”. Ao ler a respeito dele, surgiram algumas questões intrigantes, que colocarei abaixo.
Sobre o Cálculo Econômico, como se define quão especializada deve ser uma empresa? Afinal, boa parte do que elas produzem é estabelecido através do planejamento consciente e do trabalho colaborativo de diferentes partes, que é organizada diretamente, e não fruto de “trocas” (compra e venda) das diferentes partes.
Se esse “problema” fosse realístico, deveria existir uma infinidade de empresas minúsculas, cada uma cumprindo uma função específica e vendendo esse serviço as demais. Isso nem de longe é o que ocorre.
Além disso, a “escassez” do sistema de trocas não reflete a escassez real de diferentes bens (consequentemente, não poderia “administrar” esta de forma “eficiente”. Podemos ver um exemplo simples disso no seguinte caso: mesmo que houvesse uma quantidade infinita de terras, elas poderiam ter um numero limitado de donos, e estes poderiam impor aqueles que não possuem terras quais as condições de troca.Por sinal, o que caracteriza o “sistema de trocas” e a propriedade privada, é, justamente esse poder de “veto”, da parte do capitalista, de “decidir” como e por quanto deseja vender a mercadoria que tem a oferecer. (o acesso a ela, necessariamente, só se dá com seu consentimento)
Isso também ilustra como o capitalismo produz um uso distinto dos recursos existentes: eles serão usados TAL COMO SE fossem escassos (mesmo que nem o sejam, efetivamente) e, como resultado, cada capitalista individualmente desejará a perpetuação dessa escassez da mercadoria que tem a vender.
Além disso, os defensores do Calculo Econômico parecem assumir que seria completamente imprevisível determinar o “desejo” do mercado se não no momento da troca, já que as escolhas seriam “subjetivas” e tão imprevisíveis quanto a mente humana.Assim, seguindo essa linha de raciocínio, nada mais absurdo que o Estado fosse prover recursos: ele não seria capaz de saber o que as pessoas querem! Se ele “fosse administrar um deserto faltaria areia!”
Mas isso, até onde eu saiba, também está longe de ser verdadeiro. Não é necessário muita “ciência” para perceber que existirá a demanda por água ou alimento, por exemplo.
E é habito corriqueiro das empresas estipularem, racionalmente, quais serão as demandas futuras, o que lhes confere vantagens estratégicas. De fato, o trunfo do Iphone seria justamente o planejamento econômico na forma de departamentos de pesquisa do consumidor e de marketing…
O Cálculo Econômico, da mesma forma que lida com a “escassez” artificial, no lugar da real, também avalia demandas artificiais no lugar de reais: se eu tenho mil dólares, aquilo que desejo adquirir com ele é “computado”. Se, por outro lado, não possuo nada, minha demanda não é “registrada” em lugar algum. Mas atribuir a “posse” de recursos naturais ou o dinheiro nas mãos de umas pessoas em detrimento das demais, não foi um processo mais justo ou mais “natural” do que aquele que atribuía a prioridade de recursos ou exclusão com base na “cor” (como na Africa do Sul) de pessoas ou sua “raça” (na Alemanha nazista). Como podemos ver, longe de “resolver” a questão de escassez e determinar a “alocação eficiente de recursos”, o que a ideia de Cálculo Econômico parece mostrar é o quão frágil, arbitrário, injusto e ineficaz é o atual modelo de “economia de mercado” baseado em propriedade privada.
Texto escrito pelo Flautista de Hammelin