Eu sei que, para o leitor do nosso blog, ver essa frase que é geralmente vinculada à Milton Friedman aparecendo por aqui deve estar parecendo bem estranho. Mas acalme-se: Não demos meia volta para a direita. Mas isso não nos impede de simplesmente concordar nesse ponto com eles. Esta frase está completamente correta e pretendemos explicar isso nas linhas que seguem.
O princípio é simples: se você quer comer, alguém antes tem que ter tido o trabalho de plantar a comida, colhe-la, prepará-la e talvez até servi-la. Ora, é óbvio! Todo processo de produção requer trabalho. Vamos entender aqui trabalho simplesmente como a ação criativa do ser humano que transforma a natureza, esta sim, a fonte da riqueza. Assim, temos a categoria trabalho como uma espécie de “transformador”, que torna a natureza em algo diferente, geralmente algo útil. Esse ato de trabalhar não necessariamente está associado ao trabalho assalariado, forma como é comum encontrarmos ele na nossa sociedade, mas sim com a ação criativa do ser humano consciente ou inconscientemente, que interpreta a realidade de formas particulares e a altera a partir dessa interpretação. Esse processo geralmente é associado a criação de coisas úteis ou indispensáveis para a sobrevivência (encontrar comida, abrigo, água etc) mas não se restringe a isso, podendo ser expandida à atividades como as artes, a filosofia, a ciência entre outras coisas.
Entretanto, o que normalmente não se fala sobre o jargão em questão é que ele pressupõe que houve um trabalho realizado por alguém e que agora deve ser recompensado com um pagamento em dinheiro. Mas, ao partir do princípio que o dinheiro é equivalente para a atividade humana, ele cai na armadilha que aprisiona a necessidade de sobrevivência física na função de “ganhar dinheiro”. Logo, vender mercadorias feitas com o trabalho se torna condição obrigatória da vida. Quando o trabalho acontece nessas condições, ele é mercadoria e, ao mesmo tempo, produz mercadorias de maneira indiferente ao seu fim social, desde que seja lucrativo. A partir disso, podemos concluir de forma bem simples que tudo o que fizermos de aparentemente útil, será para vender. Já dizia o Coringa no melhor filme do Batman já feito, “se for bom em algo, nunca o faça de graça”. Pois é…
O professor checo naturalizado norte-americano Fredy Perlman explica isso de uma forma bastante clara:
[…]Os produtos da atividade humana necessários para a sobrevivência são mercadorias vendáveis: elas são obtidas em troca de dinheiro. E o dinheiro só é obtido na troca por mercadorias. Se os homens aceitam a legitimação dessas convenções, se aceitam que as mercadorias são um pré-requisito para o dinheiro e o dinheiro é um pré-requisito para a sobrevivência, então eles estão aprisionados num círculo vicioso. Para aqueles que não possuem mercadorias, a única saída desse círculo é considerar a si mesmo ou parte de si mesmo como mercadoria. E esta é, de fato, a “solução” peculiar que o homem impôs a si mesmo em condições materiais e históricas específicas. Os homens não trocam seus corpos ou partes de seus corpos por dinheiro. Eles trocam o conteúdo criativo de suas vidas, sua atividade prática diária, por dinheiro. Tão logo o homem aceita o dinheiro como um equivalente para a vida, a venda da atividade torna-se uma condição para sua sobrevivência física e social. A vida é trocada pela sobrevivência. Criação e produção passam a significar atividade vendável. E o próprio homem se torna um membro produtivo da sociedade apenas se ou na medida em que as atividades de sua vida cotidiana são atividades vendáveis. A atividade do homem é “produtiva”, útil à sociedade, apenas quando é uma atividade vendida. Tão logo as pessoas aceitam os termos desta troca, a atividade diária toma a forma de prostituição universal.
É óbvio a qualquer um que, para que as coisas aconteçam, é preciso que alguém trabalhe para isso. No entanto, se assumimos que o trabalho tem como único fim possível a venda de seu produto e a obtenção de dinheiro, a única conclusão lógica é que não existem coisas grátis, ou seja, não existe almoço grátis. Mas isso é verdade somente enquanto estamos presos pela armadilha da mercadoria!
Como um caçador que usa um amuleto ao qual atribui a sorte da sua caçada, atribuímos a
atividade humana ao dinheiro. Criamos as condições que nos tornam dependentes do capital diariamente e após isso nos empenhamos em buscar ter mais dinheiro para termos uma “caçada melhor”. Como o senhor Perlman (sério, leiam Fredy Perlman!) comentou no trecho acima, é uma ciclo vicioso, um deadlock.
Então podemos dizer que sim, senhor Friedman, não existe mesmo almoço grátis. Não existe mercadoria sem trabalho e não existe riqueza sem trabalho que a crie (com exceção das riquezas naturais), e o preço que o senhor embute ao usar o termo “de graça” é um acessório criado, uma armadilha posta para capturar o trabalho e concentrá-lo em poucas mãos. E ainda assim há quem negue que sequer existe exploração nas relações de produção do capitalismo…